Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, abril 27, 2009

Conversa de boteco

NA sessão da última Quarta-feira, 22, durante o julgamento de um recurso do governo do Paraná contra decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2006 considerou inconstitucional a lei que criou o fundo de previdência do Estado, o ministro Joaquim Barbosa, que dialogava com o presidente do STF, Gilmar Mendes, perdeu a compostura. Percebendo que as coisas iam de mal a pior, o ministro Ayres Brito pediu vistas do processo, com a óbvia intenção de, interrompendo o julgamento, acabar com o incidente.

MAS os ânimos já estavam exaltados demais. Desabrido, o ministro Joaquim Barbosa fez a primeira acusação grave ao ministro Gilmar Mendes: "Vossa Excelência está destruindo a Justiça deste país e não tem condição alguma de me dar lição de moral. Faça como eu, vá às ruas." O presidente da Corte respondeu que também vai às ruas, ao que Joaquim Barbosa treplicou: "Não está nas ruas, não. Está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro". E a isso acrescentou: "Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite!"

A ESSA altura, o ministro Ayres Brito pedia moderação e o ministro Marco Aurélio recomendava o encerramento da sessão - o que aconteceu não antes de uma troca de irônicas referências a gentileza e lhaneza entre os contendores.

O MINISTRO Joaquim Barbosa há de ter suas razões para não gostar do ministro Gilmar Mendes, de quem foi colega no Ministério Público, antes que o atual presidente do Supremo fosse nomeado advogado-geral da União pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP). Também deve ter motivos para não se sentir à vontade com os outros ministros com quem se atritou. Mas carece de toda e qualquer razão quando submete o Poder ao qual pertence a constrangimento como o da última Quarta-feira.

AS SESSÕES do Supremo Tribunal Federal são transmitidas ao vivo e sem cortes pela emissora de televisão do Poder Judiciário. O espetáculo degradante foi assistido por milhares de pessoas, em tempo real, e por dezenas de milhões quando as imagens foram retransmitidas por outras televisões e a íntegra do bate-boca foi reproduzida na Imprensa.

PODE o ministro Joaquim Barbosa não concordar com a maneira de conduzir o Judiciário do ministro Gilmar Mendes. Não será o único. Mas, se a questão é, como disse o ministro Barbosa em sua invectiva, a "credibilidade do Judiciário", com aquela demonstração pública de falta de civilidade ele contribuiu de maneira ímpar para prejudicar aquela credibilidade, já abalada por problemas estruturais crônicos.

AOS outros ministros do STF não faltou bom senso. Após o incidente, os ministros Celso de Mello e Ayres Brito pediram ao ministro Barbosa que se retratasse publicamente. Diante da negativa peremptória, oito ministros - exceto os dois contendores e a ministra Ellen Gracie Northfleet, que está em viagem - divulgaram nota em que reafirmam "a confiança e o respeito" ao ministro Gilmar Mendes e lamentam o episódio. Chegou-se a cogitar de medida mais dura - uma censura pública a Barbosa. Não teria sido uma medida excessiva.

ALÉM da falta de recato esperado nesse poder e que os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa esqueceram de preservar, o bate-boca entre eles foi algo especial, diante dos holofotes da mídia e fez corar os mais incautos e até os mais informados. Como é possível dois integrantes do colegiado da mais alta côrte do Pais, entre eles o presidente da Casa, se acusarem daquela forma?


DIFÍCIL responder. Mas algo está ocorrendo, além da falta de compostura dos nossos juristas. Desde que o petismo assumiu o poder no Planalto Central uma politização crescendo dentro do Judiciário, já que Gilmar Mendes exercer a função de advogado-geral da União no Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi indicado para o STF no final de 2002, e Joaquim Barbosa foi uma indicação do vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-10). Essa "lavação de roupa suja" na verdade descortina o início de uma crise que foge da atividade fim do STF. O que é lamentável.


GILMAR Mendes esquentou o bate-boca de forma mais sutil ao sugerir que Barbosa julgue diferentemente por classes. E Barbosa literalmente “chutou o pau da barraca” ao dizer claramente: “Vossa excelência está destruindo a Justiça deste país e não tem condição alguma de me dar lição de moral”. Os dois pediram respeito às suas pessoas, sintomaticamente quando se desrespeitavam mutuamente.

A GRAVIDADE de todo esse episódio é que o eleitor brasileiro sai ao final meio perdido desse tiroteio sem saber o que está por trás da cena e o que isso pode ter a ver com as próximas eleições e com a real consolidação da nossa ainda frágil democracia.
Porém, há um ponto positivo. Na época da ditadura militar (1964-85) nada se podia dizer e se alguém dizia era trucidado, estava perdido nas mãos de durões fardados. Hoje se ouve tudo sobre corrupção, irregularidades e falta de decoro de todos os tipos. E depois, nas urnas, quem entendeu alguma coisa pode fazer escolha diferente. A pena é que a grande multidão ainda não percebe as entrelinhas. E vivemos uma cultura do jeitinho, do levar vantagem, da falta de postura ética não só de políticos mas também de grande parte da sociedade.

NOSSA mais alta Corte deixou de ser, nos últimos tempos, aquela ilustre Casa Guardiã da Carta Mágna do Pais que existia no imaginário popular, vetusta e modorrenta, só animada, uma vez ou outra, por algum debate bem educado e erudito sobre questões doutrinárias do direito. Em sua atual composição, o STF tem sido palco de discussões que às vezes ultrapassam os temas em pauta, revelando diferentes concepções do direito e vieses ideológicos que suscitam antagonismo entre os ministros.

JÁ HOUVE, durante sessões do STF, ásperas trocas de palavras entre os ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes; entre Eros Grau e Marco Aurélio Mello; entre Joaquim Barbosa e Eros Grau; e entre Joaquim Barbosa e Marco Aurélio Mello. Já houve xingatório pesado, em sala reservada do tribunal e houve mesmo quem, em plenário, chamasse o outro para resolver suas questões no braço.

QUE o Supremo não é, como já foi, um local de convívio educado e cordial, disso se sabia. O que não se sabia é que a animosidade entre alguns ministros é de tal forma visceral que pode fazer uma mera discussão técnica se transformar num chorrilho de insultos e acusações, lançando a instituição em uma crise, resultante do comportamento desbragado e da incontinência verbal de alguns de seus membros.