Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, março 29, 2006

Libertas quae sera tamem!

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM

BELO HORIZONTE

A censura está na moda neste 2006 de Ibeji. Em pouco mais de um mês tivemos a big rebelião mundial detonada pelas caricaturas dinamarquesas de Maomé; a arriada de calças do grupo Google na China (censura virou commoditie — se pagar bem, a gente negocia princípios, manda a liberdade pro inferno, burla a História); e o micasso de Mick Jagger, que censurou letras do seu Rolling Stones para ficar bem com o pessoal da Superbowl. Com todo o respeito ao meu ídolo, que cantou e fez show inesquecível pra gente em Copacabana, no último dia 18 de Fevereiro, tem filho aqui com a nossa deslumbrante Luciana Gimenez, essas coisas; evoco o que resta da minha ira rebelde Rock’n Roll: Fu#@%$*ck !

Não apoio censura nem que a vaca cante!

Mas não é só no terreno dos grandes acontecimentos que a tentação da censura ganha adeptos. “Ela deita e rola, acima e abaixo do Equador, a leste e a oeste do Bósforo”, na definição de um amigo paulistano. A crise das charges deixou serelepes os nossos torquemadas. São vozes de vários credos ou sem credo que, mundo afora, das quitandas aos palácios, dos bares aos altares, das ruas às coberturas e às páginas, suplicam que a tesoura-mãe rasgue um pouco mais o tecido das nossas desembainhadas democracias.

Não bastam os filtros da autocensura, da legislação, não basta o muro das ponderações diárias — o direito à livre expressão, para os fãs da brucutulândia, tem que ser cortado na raiz, no humor, no dia-a-dia, na Arte, no Jornalismo.

Ao expressar-se (quem pode pode!) a turma da tesoura alia-se, ingênua ou espertamente, não apenas ao fundamentalismo muçulmano, mas ao puritanismo norte-americano: no caso das caricaturas, o religioso senhor da guerra George W. Bush praticamente legitimou o radicalismo daqueles que, em outras circunstâncias, ele estaria tratando de terroristas para baixo.

É como bem disse outro dia a minha colega e amiga Bianca Lage (TV Bandeirantes!): “Dependendo do sentimento religioso, até Darwin é uma ofensa. E Voltaire, Freud, Marx. E o Poderoso Chefão III. E Lutero”.

Na nossa conversa, a bela Bianca— que é cristã e acredita em Deus, mas defende a liberdade de rir d’Ele — citou “A vida de Brian”, dos ingleses do Monty Python, filme que brinca com as imagens de Jesus e Maria, desacredita os milagres e os profetas, faz troça de Jeová. A depender dos tesourinhas, um filme desses seria motivo, fácil, para a civilização judaico-cristã ocidental sair por aí incendiando embaixadas britânicas.

Não vou entrar na discussão já gasta de se as charges de Maomé foram ou não ofensivas. Perto da paródia inglesa à vida de Cristo, são quase infantis. O fato concreto é que no mundo islâmico predomina uma visão do Ocidente e de seus valores muuuuuuito diferente daquela que o Ocidente tem de si, e vice-versa. Isso vai ter que ser resolvido. Torçamos bastante para que a coisa fique no terreno das idéias e da diplomacia. Do contrário, “the airplane solta bombinhas”, como diz o musico André Abujamra.

Basta de tolices! Viva a liberdade! Carácas! Jeová é um dos maiores personagens de piada, são piadas populares até entre quem n’Ele crê. O Papa é outro freguês do repertório, e ninguém morre por causa disso. O Buda não escapa de um trocadilho.

Então como é que é? Vamos proibir a Turma do Casseta & Planeta Urgente? Vamos prender os cartunistas? Ou, como diz o Xatto — amigo que trabalha na Disney — será que os italianos vão incendiar a embaixada francesa por que Asterix dá porrada naqueles loucos e ridículos legionários romanos?

Debater, pensar, repensar, ponderar, usar o bom senso, escapar da burrice e do inoportuno — tudo isso é uma beleza desde que não se proíba o inoportuno, não se criminalize a crítica, não se linche o ofensor, não se demonize o deboche. Senão a coisa começa a cheirar a fogueira, fica tudo medieval e as portas da masmorra começam a ranger.