Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, novembro 17, 2009

A César o que é de César

ESTE País está em alta no mercado internacional e seu prestígio cresceu durante a crise econômica internacional. O Brasil tem hoje mais dólares do que há um ano: no meio da turbulência, tornou-se um porto seguro para o capital estrangeiro, tanto especulativo quanto de longo prazo. Empresários dispostos a apostar na economia brasileira anunciaram planos multibilionários, num seminário promovido em Londres, já há alguns dias, pelos jornais Financial Times e Valor Econômico. A figura central da festa foi, naturalmente, o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), aplaudido pelo desempenho econômico do Brasil e por sua diplomacia, apontada por analistas europeus como fator de estabilidade na América Latina (AL).

TAL prestígio da economia brasileira já estava em crescimento antes da crise econômica internacional. Em 2008, duas das mais importantes agências de classificação de risco elevaram a economia do Brasil ao grau de investimento. O desempenho da nossa economia durante a turbulência internacional confirmou os méritos apontados por aquelas agências.

A ECONOMIA brasileira não escapou da recessão, mas conseguiu atravessá-la sem crise nas contas externas, sem desordem nos preços internos e sem estragos importantes nas contas fiscais. Em vez disso, houve folga suficiente para corte de impostos e para um considerável afrouxamento da política monetária.

NOSSA economia não se destacou pelo crescimento acelerado, como alguns países da Ásia, mas por sua resistência aos impactos da crise global. Na China, a contração do mercado internacional provocou uma quebradeira de indústrias. O governo, para impedir uma redução desastrosa do crescimento econômico, inundou o mercado de dinheiro e criou pressões inflacionárias. Agora precisará neutralizar os efeitos indesejáveis dessas medidas.

AQUI, a travessia sem grandes dramas foi permitida pela combinação de dois fatores: fundamentos bastante razoáveis e um mercado interno dinâmico, reforçado pela inclusão recente de alguns milhões de famílias. Em Londres, o presidente Luiz Inácio da Silva e os ministros de sua comitiva realçaram esses fatores, destacando especialmente o segundo.

DE FATO não há como negar a importância da ampliação do mercado de consumo, tanto por seu significado social quanto por suas consequências econômicas. Mas essa ampliação não teria ocorrido sem o controle da inflação, sem uma relativa estabilidade fiscal e sem o mínimo de segurança indispensável às decisões de investimento dos empresários.

E EM relação a esses pontos, o grande mérito do vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (2003-10) foi haver mantido, por vários anos, as linhas de política econômica inauguradas nos anos 1990 e aperfeiçoadas até a aprovação, em 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

TAIS linhas incluem o regime de metas de inflação, o câmbio flutuante e a geração de um superávit primário suficiente para a redução proporcional do peso da dívida pública. O mérito do “CARA” consistiu, em grande parte, em resistir às pressões de seus companheiros do petismo e também de setores do empresariado para adotar políticas mais próximas daquelas defendidas, tradicionalmente, pelo Partido dos Trabalhadores (PT): intervenção nos preços, tolerância à inflação, protecionismo e irresponsabilidade fiscal. A transferência de renda teria sido muito menos eficiente se essas pressões tivessem mudado a política e desencadeado nova corrida entre os preços e a renda familiar.

A COMUNIDADE econômica internacional, de modo geral, ignora esse aspecto da história recente da economia brasileira. De certa forma, subestimam o esforço do presidente da República para manter certa prudência na política econômica. “O-CARA” não fez, no entanto, mais que isso. Em seus dois mandatos, a pauta de reformas foi abandonada e a modernização institucional do País foi interrompida.

PORÉM, também, os padrões mínimos de prudência estão sendo abandonados. Um dos pilares da estabilidade, a política fiscal, está sendo rapidamente erodido pelo crescente gasto de custeio, especialmente com o inchaço da folha de pessoal. A sujeição da economia a objetivos eleitorais é cada vez mais clara e a disposição de baixar a meta fiscal confirma essa tendência. “O-CARA” provavelmente não estará no Palácio do Planalto quando surgirem as piores consequências dessa orientação. Seu sucessor encontrará um péssimo quadro orçamentário e terá um enorme trabalho para combater os efeitos da irresponsabilidade de hoje. Se fracassar, carregará o estigma de haver liquidado uma notável história de sucesso.