Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, dezembro 19, 2009

O risco Chávez

O PLENÁRO do nosso Senado Federal aprovou a entrada da Venezuela no MERCOSUL e, portanto, a subordinação do bloco às ambições e projetos pessoais do caudilho venezuelano Hugo Chávez. O mesmo erro já foi cometido pelos Parlamentos da Argentina e do Uruguai. Só falta a aprovação do Congresso paraguaio para o caudilho bolivariano ganhar poder de voto e de veto na outrora promissora união aduaneira. "Não estamos fazendo uma avaliação do governo Chávez, porque os governos passam, mas a integração econômica, política e cultural vai ficar", disse o senador da República, Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do Partido dos Trabalhadores (PT) naquela Casa do Poder Legislativo brasileiro. Talvez Mercadante saiba quando terminará o reinado chavista. Nesse caso, sabe mais que os venezuelanos.

MAS, para quem não foi premiado com essa iluminação, é uma tolice distinguir a República Bolivariana da Venezuela de seu atual governo, quando se trata de avaliar custos, benefícios e riscos de uma associação diplomática. Tolice de igual calibre é mencionar a importância do comércio entre os dois países para justificar o apoio brasileiro à ampliação do bloco.

AS TRANSAÇÕES comerciais entre os dois países cresceram como resposta a interesses concretos, assim como os investimentos de empresas brasileiras no país vizinho. Segundo o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), autor do relatório final sobre a admissão da Venezuela, a intensificação de relações econômicas com o Brasil decorreu de uma decisão política do governo venezuelano. Essa decisão, afirmou o senador, foi baseada na premissa de inserção daquele país no MERCOSUL. "Assim, não aprovando a adesão da Venezuela, estaremos convidando um país vizinho - nosso sexto maior cliente no mundo -, a procurar outros parceiros", concluiu Jucá.
TAL ARGUMENTO carece de fundamento. Em Fevereiro de 2005 entrou em vigor o Acordo de Complementação Econômica (ACE-59) entre os países do MERCOSUL, a Venezuela, o Equador e a Colômbia. Foram incluídos entre seus objetivos a formação de uma área de livre comércio, a integração dos transportes e a cooperação no setor energético.

TAIS COMPROMISSOS deveriam bastar, no caso de um acordo sério, para os governos tentarem alcançar aquelas metas. Além disso, o governo brasileiro escolheu como prioridade a inclusão de um só daqueles parceiros no MERCOSUL. Serão os outros irrelevantes?

PORÉM, existe outro detalhe - o mais importante -, pouco explorado nos debates parlamentares no Congresso Nacional brasileiro, e raramente valorizado pelos senadores da Oposição, contrários à admissão da Venezuela de Chávez ao MERCOSUL. O objetivo central de uma união aduaneira não é a intensificação das trocas entre os sócios. Para isso basta um acordo de livre comércio.

NA VERDADE, um bom acordo de integração comercial produz muito mais que a mera expansão do intercâmbio. A multiplicação dos investimentos e a formulação de projetos de complementação produtiva são consequências normais e bem conhecidas. Uniões aduaneiras, no entanto, são criadas para fins muito mais ambiciosos. Seus sócios assumem o compromisso de agir em bloco em relação aos de fora: adotam uma tarifa externa comum - a União Europeia (UE) foi descrita, durante algum tempo, como uma fortaleza -, e negociam conjuntamente acordos comerciais com outros blocos ou parceiros individuais.

A DIMENSÂO do mercado venezuelano poderia justificar um acordo de livre comércio, como aquele em vigor há quase cinco anos, mas não o ingresso da Venezuela no MERCOSUL. Só se amplia uma união aduaneira quando se tem suficiente segurança quanto à afinidade entre os valores e objetivos dos novos sócios e aqueles do bloco já constituído.

INÚMERAS vezes o coronel-presidente Hugo Chávez manifestou o desejo de reformar o MERCOSUL e ajustá-lo a seus padrões. Sua participação, ainda como convidado, na recente reunião de cúpula do bloco, em Montevidéu, mostrou mais uma vez sua disposição de usar o MERCOSUL como palanque para seus comícios e trincheira para seus conflitos.

A ADMISSÃO de um sócio no MERCOSUL é especialmente arriscada, porque as decisões dependem de consenso e, portanto, cada sócio tem poder de veto. Assim, as negociações externas ficarão sujeitas ao humor, às antipatias e às ambições de um fanfarrão necessitado, cada vez mais, de inventar inimigos para preservar seu poder. Os senadores oposicionistas discutiram muito a política interna de Chávez. Deram pouca atenção a sua ação externa, a mais perigosa para o MERCOSUL.