Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, junho 30, 2020

O poeta e o roqueiro que desnudaram o Brasil

Antes de entrar de cara no assunto central é bom lembrar aqui um pouco da história do Brasil, marcada por mais de 20 anos de ditadura militar a partir do governo general Umberto Alencar Castelo Branco (1964-1967), sucedido pelo general Arthur da Costa e Silva (1969-1974), depois vieram o general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), general Ernesto Geisel (1974-1979) e, por fim, o general João Baptista Figueiredo (1979-1985). Os números desse período são assustadores: cerca de 5.000 pessoas perderam os direitos políticos, 434 foram mortos ou desaparecidos. A música “Que país é esse”, escrita em Brasília (DF) por Renato Russo em 1978 não fugiu a regra, e foi censurada devido ao seu conteúdo questionador. A música composta por Renato Russo, em 1978, foi criada quando o compositor ainda fazia parte da banda de punk rock Aborto Elétrico.
Durante os anos negros da ditadura militar no País qualquer tipo de crítica social era severamente punida. Artistas e intelectuais foram exilados, opositores políticos foram friamente torturados ou assassinados e o país sofreu uma enxurrada de propaganda nacionalista. Renato Russo continuou apresentando a canção quando concebeu o grupo Legião Urbana, em 1983. A letra da música é questionadora e pretende tecer uma severa crítica social ao país, de norte a sul, em todas as classes sociais. Renato Russo abarca em sua letra uma boa parte do território do país: a região norte (representada pelo Amazonas), a centro oeste (representada por Mato Grosso), o nordeste, o sudeste (representada por Minas Gerais). Quando foi criada, no final dos anos 70, já havia a sensação de impunidade e falta de regras. O compositor não critica apenas a classe política, mas também a corrupção espalhada e arraigada no nosso dia-a-dia. A gravação em álbum, o terceiro da banda, que tem o mesmo nome da música carro chefe, aconteceu em 1987, nove anos após a canção ter sido composta. Sobre o longo espaço de tempo entre a composição até a gravação da música em CD, Renato Russo afirmou: "Que país é este’ nunca foi gravada antes porque sempre havia a esperança de que algo iria realmente mudar no País, tornando-se a música então totalmente obsoleta. Isto não aconteceu e ainda é possível se fazer a mesma pergunta do título”, afirmou o compositor.
"Brasil" foi composta por Cazuza, George Israel e Nilo Romero em 1988. A música foi uma espécie de manifesto político e social criado em um momento muito particular da história do país. Tratava-se do período de redemocratização do Brasil, os brasileiros queriam deixar para trás o passado marcado pela ditadura militar e caminhar em direção a um futuro livre e democrático. A canção é a sexta faixa do CD Ideologia, lançado em 1988. Estima-se que até hoje o álbum tenha vendido mais de 2 milhões de cópias, um número impressionante para o mercado nacional.

A música "Brasil" foi feita originalmente para o filme "Rádio Pirata", de Lael Rodrigues. No entanto, a canção ganhou a nação na voz da cantora baiana Gal Costa ao fazer parte da abertura da telenovela "Vale tudo" (escrita por Gilberto Braga, Leonor Basseres, Agnaldo Silva, produzida e exibida pela TV Globo em 1988). Em outubro de 1988, mesmo ano da criação da música "Brasil", foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, a Carta Magna do País, que clamava pela democracia após tantos anos de uma severa ditadura militar. A Constituição Federal do Brasil teve o papel essencial para a consolidação de novas bases para o país após anos de um regime cruel e que se impunha pela força A letra revoltada de Cazuza denuncia a desigualdade financeira, as injustiças sociais e o comportamento corrupto da classe política brasileira.

“Brasil” foi composta num momento de transição da ditadura para o regime democrático, quando a população clamava pela implantação do voto direto. A festa pobre, referida na canção, remonta ao período do colégio eleitoral montado para a implementação do voto indireto. De fato, o candidato Tancredo de Almeida Neves, futuro presidente do Brasil com posse marcada para março de 1985, seria eleito por via indireta, sem a participação da vontade popular. Tancredo morreu antes de tomar posse e quem assumiu o comando do país entre 15 de março de 1985 a 15 de março de 1990 foi José Sarney. E a "festa da democracia" foi rebatizada por Cazuza como a "festa pobre", de modo a demonstrar a sua insatisfação pessoal com o rumo do país. A letra é, portanto, não só uma crítica aos políticos como também uma crítica à mídia. Sua letra é muito significativa porque ao mesmo tempo em que celebra os direitos conquistados com a queda da ditadura, demonstra a indignação de ainda não se ter politicamente o futuro que se desejava. Da mesma forma que a canção “Que País é esse?”, de Renato Russo, “Brasíl!” seria impossível ser cantada durante os anos de chumbo da ditadura militar (1964-1985), período marcado pela censura extrema, pelo exílio de artistas e pela tortura e expulsão de intelectuais.

Os versos estimulam o povo a deixar o medo para trás e a se expressarem livremente, sem receios de reprimendas. Existe ainda hoje quem interprete esse trecho da música como um incentivo para que os políticos realmente mostrassem aquilo que, de fato, eram, deixando finalmente a vista a real face, transparecendo as ideologias que os moviam sem medo de retaliações. E a letra continua por fazer referência a esse período trágico da nossa história e alude aqueles que financiaram a nossa desgraça. “Brasil” foi uma espécie de manifesto político e social criado em um momento muito particular da história do país. Seria impossível ser cantado durante os anos de chumbo da ditadura militar, período marcado pela censura extrema, pelo exílio de artistas e pela tortura e expulsão de intelectuais.

A letra continua fazendo uma referência a esse período trágico da nossa história e alude aqueles que financiaram a nossa desgraça. E faz uma clara alusão aos países imperialistas que financiaram a ditadura militar na América Latina (Brasil, Chile, Argentina...). Hoje já se sabe (e naquela altura se desconfiava), que o governo norte-americano estava por trás da política daquilo que consideravam terceiro mundo fomentando guerras e influenciando a queda ou ascensão de chefes de Estado e de Governo na América Latina. A letra de “Brasil”, também, faz referência à vida cotidiana de grande parte dos brasileiros na altura que, com dificuldade de pagar as contas básicas, recorriam ao cartão de crédito como solução. A estratégia aparentemente simples fazia com que se vissem endividados ao final do mês, reféns de juros altíssimos. Num período em que escândalos políticos faziam parte do cotidiano da população, a letra contundente de Cazuza é um hino de basta e de revolta.

Infelizmente podemos afirmar que, em se tratando do cenário político atual, o rock “Que País é Esse?”, escrito por Renato Russo em 1978, e a letra de “Brasil”, brilhantemente escrita pelo poeta Cazuza em 1988, dialogam entre si. E permanecem extremamente contemporâneas e continuam colocando o dedo na ferida dos pontos chave do Brasil e confrontando o projeto de nação desejada e construída pelos brasileiros. O voto direto foi reconquistado pelo povo brasileiro somente em 1989, com a eleição do presidente Fernando Collor de Mello, que governou o País por 2 anos, tendo sido definitivamente do cargo através do processo de impeachment instaurado no Congresso Nacional em 1992.