Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, setembro 01, 2010

Por um corpo que cai

O JOVEM mineiro Juliard Aires Fernandes, 20 anos, estava entre as vítimas da chacina ocorrida no último dia 22 em San Fernando, na fronteira do México com os Estados Unidos da América (EUA). Tal notícia causou mal estar entre os brasileiros que vivem o sonho americano. Ainda mais porque existe a suspeita de que Hermínio Cardoso dos Santos, de 24 anos, também mineiro, possa ter sido outra vítima deste crime horrendo, uma vez que seus documentos foram encontrados perto do local do massacre.

E POR que os brasileiros ainda insistem em tentar entrar de maneira ilegal nos EUA? Só mesmo alguém muito desavisado aceita correr este tipo de risco para ter pouca ou nenhuma recompensa por esta perigosa aventura.

ATUALMENTE, para se chegar ao México, é preciso ter o visto de entrada no passaporte, uma vez que as autoridades mexicanas e norte-americanas fizeram um acordo para frear a entrada de cidadãos ilegais de outras nacionalidades – os mexicanos continuam figurando entre os principais indocumentados a cruzar a fronteira. Ou seja, sem uma profissão definida, com baixa escolaridade e renda comprovada fica difícil às autoridades consulares mexicanos concederem o visto. A não ser, é claro, recorrendo ao suborno ou outro tipo de recurso ilícito.

E MESMO que consiga fazer algum tipo de acerto com os chamados “coiotes” – contrabandistas de seres humanos – o preço é caro. Afinal, com as crescentes dificuldades, está quase impossível ingressar ilegalmente nos EUA pela fronteira Sul. E os “coiotes”, que não passam de bandos de delinqüentes e criminosos da pior estirpe, não querem nem saber. Cobram uma quantia adiantada e parcelam o restante. Logicamente, é um contrato de risco de morte. Ninguém recebe garantia de que chegará ao destino final, uma vez que é preciso contar com uma série de fatores para que a operação seja bem sucedida. E o dinheiro pago não é reembolsado, mesmo porque ninguém pode recorrer aos serviços de proteção ao consumidor por ter participado de uma ação ilícita e marginal.

MUITO pior ainda são as condições a que se sujeitam os esperançosos ilegais. Eles precisam confiar em bandidos e facínoras – os quais sequer conhecem – para atingir seus objetivos. E durante a travessia submetem-se a condições desumanas. Cruzar a fronteira em pleno deserto é uma operação arriscada e perigosa que, muitas vezes, resulta em mortes ou prisões.

DEPOIS de detidos por agentes da patrulha fronteiriça dos EUA, são fichados e imediatamente deportados para seus países de origem. O dinheiro gasto com os “coiotes” obviamente não mais será recuperado. A única concessão dos facínoras é perdoar o restante da dívida, uma vez que eles também não conseguiram cumprir sua parte do contrato criminoso.

NO momento, precisam ainda enfrentar as quadrilhas de narcotraficantes mexicanos que querem recrutar pessoas para servir como “transportadores de drogas”. Caso recusem, como foi o caso deste grupo recém vitimado, pagam com as vidas. E as mulheres que se arriscam nesta empreitada muitas vezes são vítimas de estupros perpetrados pelos sicários, pelos próprios “coiotes” e até mesmo por alguns maus agentes de imigração, tanto do México como dos EUA, responsáveis pela custódia dos imigrantes.

E ENTÃO, digamos que o imigrante ilegal consegue seu intento e cruza a fronteira chegando ao território norte-americano. O que ele encontrará lá nas terras do Tio Sam? Um país que está passando por uma grave crise econômica, com alta taxa de desemprego e um crescente ódio aos imigrantes ilegais.

DIANTE disso, os imigrantes ilegais não conseguem emprego porque o patronato evita empregar estas pessoas por temerem as pesadas multas às quais estão sujeitos, não podem tirar os documentos necessários, tais como Carteira de Habilitação de Veículos Automotores, Autorização de Trabalho e Seguro Social, por não ter passado pelo Serviço de Imigração dos EUA, e ainda por cima engrossam a fileira dos desempregados no país. Isto sem contar que não estão autorizados a usar os serviços públicos, por serem párias da sociedade, e ainda precisam pagar o restante da dívida contraída com os “coiotes”. Caso contrário, ele ou seus familiares podem pagar com a própria vida por um eventual calote.

POR tudo isso vale a pena reforçar a pergunta: Por que um brasileiro se arrisca tanto a entrar nos EUA? A melhor maneira é, caso queira imigrar, ir aos consulados norte-americanos no Brasil e solicitar o visto correspondente. Se não tiver condições, esqueça esta aventura e procure concentrar-se em trabalhar duro aqui mesmo Brasil, onde a luta também é difícil, mas, pelo menos, o cidadão brasileiro não tem problema com documentos legais.