Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, agosto 03, 2011

Empurrando com a barriga

TERMINOU em poucas horas a comemoração do acordo para evitar o calote do Tesouro Nacional norte-americano, devedor de US$ 14,3 trilhões,. O otimismo foi varrido por uma sucessão de notícias sobre desaceleração econômica na Europa e na China, desconfiança em relação aos bancos italianos e redução do índice de atividade da indústria dos Estados Unidos da América (EUA). Além disso, dúvidas sobre a aprovação do acordo sobre a dívida e o corte de gastos federais espalharam-se rapidamente. A extrema-direita republicana ainda poderia rebelar-se contra os líderes partidários e negar apoio ao plano acertado no domingo à noite com o governo.

APÓS fechar o acordo com a Oposição, na noite do último Domingo, 31, o presidente da República dos EUA, Barack Houssein Obama, já dispunha pelo menos do esboço de um plano de contingência - uma seleção de credores preferenciais, para o caso de ser preciso adiar alguns pagamentos. Mas o governo teria de negociar até o último instante para evitar o calote e, se possível, afastar o risco de uma nova negociação em 2012, ano de eleição presidencial norte-americana. O entendimento alcançado no último minuto atendeu aos dois objetivos da Casa Branca. Concordou-se em ampliar o limite de endividamento com o acréscimo de US$ 2,1 trilhões. Esse número foi calculado para eliminar o problema até 2013, tornando dispensável uma nova discussão no período eleitoral. Como contrapartida foi combinado a implementação de um programa de corte de gastos.

AMBOS os lados concordaram em realizar um ajuste orçamentário de US$ 1 trilhão em 1o anos, por meio do corte de gastos discricionários, aplicados tanto aos programas da defesa quanto a outros itens. Além disso, resolveu-se formar um comitê bipartidário para estudar e propor um ajuste adicional de US$ 1,5 trilhão. Para essa parte da arrumação fiscal se concordou em discutir a redução de gastos sociais e uma reposição de impostos cortados pelo governo George W. Bush (2001-08).

DE FATO o acordo foi fechado na noite do último Domingo, portanto, sem solução para os pontos mais importantes das diferenças entre Governo e Oposição. Os dois lados aceitaram deixar para mais tarde questões politicamente cruciais, como a natureza dos cortes, o futuro de programas como os de ajuda a famílias pobres e a estudantes e a revisão dos impostos. O presidente Obama gastou muita retórica nas últimas semanas defendendo a preservação de certos programas de interesse das classes média e pobre e a eliminação de benefícios fiscais a certos grupos de empresas, como as petrolíferas, e aos contribuintes de alta renda. Benefícios como esses, fortemente concentradores de renda e de riqueza, foram concedidos a partir do governo do Ronald Reagan (1981-88) e ampliados, nas décadas seguintes, principalmente por iniciativa dos republicanos.

O ASSUNTO permanece aberto. De toda forma, neste último acordo a Oposição republicana conseguiu pelo menos evitar qualquer menção a aumentos de encargos tributários para o grande capital e para o contribuinte rico. Objetivamente, a ala mais conservadora do Partido Republicano teria pouquíssimos motivos para se opor ao acordo. Ainda assim, houve quem criticasse o entendimento da noite do último Sábado, 30, por ainda manter o "governo grande".

OS DEMOCRATAS poderiam manifestar decepção pelo motivo oposto. Os governistas e os oposicionistas haviam combinado elevar o teto da dívida e cortar despesas em 10 anos, mas havia posto de lado uma questão essencial para a economia no curto prazo: a possibilidade de gastos adicionais, neste momento, para estimular a atividade e a criação de empregos.

SEM esses gastos, a recuperação da economia americana, já muito lenta, será mais difícil neste e no próximo ano. Isso poderá custar muito, em termos políticos, para o presidente Obama. Falta ver se ele ainda terá algum espaço para promover investimentos e outros gastos federais destinados a dar algum impulso aos negócios. Na falta de estímulos fiscais, o Federal Reserve (Fed) - o banco central norte-americano -, provavelmente precisará intervir e promover mais uma rodada de afrouxamento monetário. Será a pior solução para o Brasil e outros países, com economias emergentes, já inundados pelo excesso de dólares.

OS CONGRESSISTAS norte-americanos teriam, se quisessem, muitos detalhes para ponderar no momento de votação do acordo do dia anterior.

A RÁPIDA aprovação pelo Senado Federal, por tranquila maioria de 74 votos a 26, e a imediata sanção pelo presidente Barack Obama do projeto que permite a elevação da dívida norte-americana de US$ 14,3 trilhões e impõe cortes nos gastos do governo nos próximos anos sepultam o fantasma do calote do Tesouro Nacional dos EUA, dão algum fôlego político ao atual ocupante da Casa Branca - pois adiam discussões cruciais sobre gastos públicos para 2013, depois da próxima eleição presidencial - e proporcionam algum alívio no mercado financeiro. Mas deixam dúvidas e incertezas que podem realimentar novas turbulências na economia mundial, com impacto relevante sobre os países em desenvolvimento.

APESAR de o projeto ter resultado de um acordo entre os Partidos Republicano e Democrata, sua arrastada negociação entre o governo e a oposição, que empurrou a votação para a data-limite fixada em lei - se o projeto não fosse aprovado até ontem, a partir de hoje o Tesouro Nacional teria de selecionar os pagamentos que poderia fazer, o que implicaria deixar de honrar outros compromissos -, prejudicou a imagem dos congressistas e do presidente Obama e não deixou nenhuma das partes inteiramente satisfeita.

NA verdade, a votação na Câmara dos Representantes, que aprovou o projeto na noite da última Segunda-feira, 01, revelou uma clara divisão na base de apoio de Barack Obama, pois 95 deputados democratas votaram a favor e 95, contra. Foi a bancada republicana, com 174 votos a favor e 66 contra, que assegurou a aprovação do acordo.

MESMO assim, os dois lados tentam obter dividendos políticos desse episódio desgastante para os EUA e para o mundo. Para o senador republicano Lamar Alexander, a votação marcou uma mudança de comportamento na discussão da política fiscal americana, antes marcada por "gastos, gastos, gastos" e agora baseada em "cortes, cortes, cortes". É o tipo de discurso que faz o gosto dos membros do Tea Party, a ala radical do Partido Republicano - que moveu uma intransigente e irresponsável cruzada contra o governo Obama (2009-12), sem levar em conta as consequências para o papel dos EUA como locomotiva da economia mundial.

PORÉM, o que cortar? Isso não foi definido com clareza, o que deu espaço para o presidente Barack Obama também tentar capitalizar-se politicamente com o acordo. "Não podemos buscar o equilíbrio orçamentário impondo os custos sobre os ombros das pessoas que já foram castigadas pela recessão", disse Obama logo depois da aprovação do acordo no Senado Federal. Um plano equilibrado para a redução do déficit no longo prazo deve incluir uma reforma tributária para que os ricos "paguem sua cota justa de impostos", acrescentou.

ESSAS duas declarações resumem a divisão entre republicanos, que querem cortes de gastos, e o governo democrata, que quer a reposição de impostos cortados por Bush. Essa questão não foi resolvida.

TODA essa discussão se deu sobre um cenário econômico nada animador. O Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre e 1,3% no segundo. O desemprego continua alto, em 9,2%. A expansão da indústria perdeu vigor em julho.

DESDE a crise econômica mundial iniciada em Setembro de 2008, recursos públicos têm sido injetados na economia norte-americana para evitar a redução mais intensa da atividade econômica. O ajuste fiscal americano, seja por meio de cortes de gastos ou de aumento de impostos (ou de ambos), fará o papel contrário, ou seja, tenderá a reduzir a atividade econômica. Pode ser pouca coisa. Mas, para uma economia que quase não cresce, qualquer redução pode levar à estagnação.

DESSE modo, maior importância terá a atuação do Fed para evitar a desaceleração mais acelerada da atividade econômica, pois entre seus objetivos está o de preservar o emprego. Isso resultará na manutenção de juros em níveis muitos baixos, com impacto negativo sobre a cotação do dólar. Ou seja, os dólares continuarão fluindo com intensidade para outros países, como o Brasil, que já enfrenta dificuldades com o excesso de entrada da moeda norte-americana.