Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, fevereiro 18, 2012

Para confundir e desorientar

SALVADOR (BA) – O GOVERNO da República Islâmica do Irã esta semana promoveu um espetáculo destinado a mostrar que as sanções de que tem sido alvo não enfraquecem nem a sua decisão nem a sua capacidade de levar adiante o que apregoa ser um programa nuclear para fins pacíficos. Na última Quarta-feira, 15, o presidente da República, Mahmoud Ahmadinejad, devidamente paramentado com um jaleco branco, foi o convidado de honra da cerimônia em que varetas produzidas no país, contendo urânio enriquecido a 20%, foram pela primeira vez inseridas no reator de pesquisas de Teerã para a produção de isótopos radioativos com fins medicinais e agrícolas. Sintomaticamente, Ahmadinejad se fez acompanhar do ministro de Estado do Exterior, Ali Akbar Salehi - e o evento foi transmitido também pelo canal iraniano em língua inglesa.

MAS não ficou só nisso. O governo iraniano anunciou ainda a entrada em operação, no centro de enriquecimento de Natanz, de 3 mil centrífugas de "quarta geração", elevando o total a 9 mil, e a construção de mais quatro reatores. As centrífugas de alto desempenho permitiriam ao país aumentar substancialmente os seus estoques de combustível nuclear - o centro do seu até aqui insuperável contencioso com o Ocidente. Em Novembro de 2011, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) concluiu que, ao lado dos projetos civis no setor, sujeitos à fiscalização do organismo, o governo do Irã tem desenvolvido atividades que só se explicam pela busca de capacitação para produzir e lançar artefatos nucleares.

O RELATÓRIO deu origem à sexta rodada de sanções internacionais contra aquela República islâmica, que incluem um embargo às compras europeias de petróleo iraniano, a vigorar a partir de Julho. E Ahmadinejad se vangloriou. "A era do bullying de nações passou", disse, usando o termo inglês. "Tentaram nos impedir com sanções e resoluções, mas falharam. Nosso caminho nuclear continuará". No mesmo dia, a TV iraniana revelou que o governo respondeu favoravelmente à exortação da chanceler da União Europeia, Catherine Ashton, pela retomada das negociações sobre a questão nuclear com o chamado grupo P5+1 (os Estados Unidos da América - EUA, o Reino Unido da Grã-Bretanha, a França, a Rússia e a China, membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas - ONU, mais a Alemanha), interrompidas desde 2009.

NUM sinal de que a política externa iraniana ou veio para confundir, ou segue a estratégia do morde-e-assopra - uma coisa e outra para ganhar tempo -, ou ainda reflete as conhecidas divergências entre Ahmadinejad e o líder supremo do regime islâmico iraniano, o aiatolá linha-dura Ali Khamenei, também na última Quarta-feira, 15, a emissora de TV oficial anunciou a próxima suspensão das exportações de petróleo a seis países europeus (em retaliação aos governos da França, da Holanda, da Bélgica, da Itália, da Espanha e da Portugal), apenas para ser desmentida pouco depois pelo Ministério da Energia e do Petróleo. No mercado internacional de especulações políticas, a tendência é desdenhar dos alegados progressos tecnológicos iranianos. Embora os observadores mais sóbrios reconheçam a dificuldade de adivinhar as intenções do governo iraniano, a teoria da bravata tem numerosos adeptos. "O Irã fala grosso, mas segura um porrete pequeno", diz Karim Sadjadpour, do centro de estudos internacionais Carnegie, nos EUA, invertendo a célebre recomendação de Theodor Roosevelt (1858-1919) para o relacionamento do país com o mundo: "Fale mansamente e tenha à mão um grande porrete". A versão do Small Stick, por sinal, vai de encontro à linha oficial em Israel, segundo a qual o Irã, seu "inimigo existencial", está tão próximo de ter a bomba que tardar a atacá-lo pode ser o erro fatal. Os analistas se dividem entre os que acham que o Irã quer chegar ao limiar atômico, mas não necessariamente ultrapassá-lo, e entre os que acham que, dados os imperativos da geopolítica, uma vez em condições de fazê-lo, o governo do Irã o fará, entrando pela porta dos fundos para o clube atômico, a exemplo do governo de Israel, que não confirma nem nega ter um arsenal nuclear.

UMA coisa parece certa: seja quais forem as razões que levaram o Irã ao caminho adotado, entre elas não figura a intenção de atirar a primeira bomba. Seus aiatolás sabem perfeitamente que, se fizerem isso, o país será obliterado.