Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, julho 12, 2010

Radicalismo uma endemia débil do petismo

San Francisco (EUA) - ESSE improvisado programa de governo da candidata governista Dilma Rousseff (PT-RS) é mais criticável pelo que não contém do que pelo seu conteúdo arrependido, que levou à apressada retirada de pontos polêmicos. As 22 páginas do documento repetem o estilo presente nos programas do Partido dos Trabalhadores (PT) de 2002 e 2006: está mais para uma coleção de desejos e promessas - a maioria reprisada das duas últimas campanhas eleitorais - do que para um texto inovador, capaz de avançar em acertos, corrigir erros e criar novas ações, refletindo o aprendizado e a experiência adquiridos em oito anos de governo. Os principais entraves ao progresso e ao desenvolvimento econômico e social não estão ali. Ou melhor, alguns estão, sim, mas burocraticamente listados ou copiados do passado, sem aprofundar suas causas nem indicar caminhos para superá-los.

VEJAM alguns dos itens omitidos no documento e que são fundamentais para equilibrar as finanças do Estado e garantir o crescimento econômico e o progresso social sem riscos de retrocessos:

AS REFORMAS - Foram praticamente ignoradas no texto. A única mencionada - a tributária - recebeu tom mais apropriado a discurso de palanque do que a um programa de governo: "Simplificar os tributos, desonerar a folha de salários, garantir devolução automática de todos os créditos a que as empresas têm direito e acabar com qualquer tributação sobre o investimento". Se o ideário tributário do PT é somente renúncia fiscal, como sustentar um Estado caro e gigante, que o partido defende? Se fosse fácil assim o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), não teria ficado oito anos tentando realizar sua reforma, que terminou raquítica e, assim mesmo, um completo fiasco. As reformas política, previdenciária, trabalhista e sindical nem sequer são citadas no texto. Até as microrreformas concebidas pela equipe do deputado federal Antônio Palocci Filho (PT-SP), quando esse era o ministro de Estado da Fazenda, e que nada têm de ideológicas, também foram desprezadas. Seu foco era dar eficácia, racionalidade e rapidez à burocracia e às ações de governo, além de propor uma fórmula criativa para desonerar a folha de salários de empresas que usam mão de obra intensiva e para empregados que ganham até três salários mínimos. Dona Rousseff vive falando em desoneração trabalhista, mas não resgatou essa proposta nem diz como vai fazer.

INVESTIMENTO - O documento trata do tema de forma superficial e, mais uma vez, usa o estilo desejos e promessas. Diferentemente do investimento produtivo, impulsionado pelo crescimento econômico, projetos de infraestrutura e logística dependem de regras estáveis e eficientes marcos regulatórios. Mas o PT não vai fundo em analisar os entraves que “O-CARA!” encontrou e outros que criou, como enfraquecer o poder das agências reguladoras e politizá-las com dirigentes não capacitados e indicados por partidos políticos. Os compromissos com a não-interferência política do governo em grandes projetos e com a estabilidade de regras também não figuram no documento. E esses, segundo as empresas, têm sido os principais obstáculos que travam o investimento privado em logística e infraestrutura.

ENERGIA - Genérico, o programa do PT limita-se a prometer a construção de mais hidrelétricas, desenvolver energias alternativas e explorar o petróleo na camada do pré-sal. Nenhuma palavra sobre um problema que angustia o setor elétrico, inclusive o estatal, porque os investimentos foram completamente paralisados, à espera de uma definição do governo: trata-se das concessões de usinas hidrelétricas que representam 30% da energia do País e serão definitivamente canceladas em 2015. A Constituição Federal determina que os novos concessionários serão escolhidos unicamente em licitações. Seria uma chance para implementar um novo modelo para o setor elétrico, integrado com o uso da água, como propôs o ex-presidente da Eletrobrás José Luiz Alquéres. Mas o PT parece não ter proposta alguma.

DÍVIDA - O governo Luiz Inácio da Silva (2003-10) fez crescer tanto a dívida pública que o Brasil passou a ocupar o terceiro lugar entre os países emergentes com maior endividamento, ultrapassado só pela Índia e pela Hungria, segundo pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto o Brasil tem uma dívida bruta equivalente a 60,1% do Produto Interno Bruto (PIB), a da China é de 20% e a do Chile, de 4,4% do PIB. Se o novo governo não definir um plano de redução gradativa da dívida, a receita tributária continuará a escorrer pelos ralos do pagamento de juros, em vez de suprir as deficiências da saúde, da educação, do saneamento, de investimentos. Apesar da gravidade, o tema é solenemente ignorado no documento do PT.

CORRUPÇÃO - Oito anos de compadrio político usando os recursos do Estado brasileiro, “mensalão”, “aloprados”, “dólares na cueca”, “vampiros e sanguessugas da Saúde” desmoralizaram o discurso anticorrupção do passado e levaram o PT a se retrair e não assumir nenhum compromisso com o combate à corrupção. No programa não há uma só linha mencionando desvios de dinheiro público e outras práticas condenáveis que costumam espalhar-se livremente no serviço público quando não combatidas. Em seu governo, ao contrário, Luiz Inácio da Silva tratou-as com tolerância e perdão.


EDUCAÇÃO e Saúde - O texto trata de forma genérica, listando ações que são comuns a todos os partidos políticos. Qual candidato é contra "erradicar o analfabetismo"? Nenhum. A diferença estaria em definir metas e prazos para isso ocorrer. Mas o PT não assume nenhum compromisso nessa direção. Menciona vagamente a "melhoria das condições de saúde do povo brasileiro nos últimos anos". Melhoria não percebida por quem enfrenta hospitais públicos e filas de meses, às vezes anos, para consulta e cirurgia. E nada há no texto que garanta maior eficiência no funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

A CANDIDATA Rousseff disse ter rubricado todas as páginas do programa sem ler. Deveria tê-lo feito. Se o fizesse, constataria, por exemplo, que taxar grandes fortunas não tem nenhum efeito benéfico, está implícito no que Vladimir Ilitch Lenin chamou de "esquerdismo, doença infantil do comunismo": não aumenta a receita tributária, atrai a oposição de quem possui bens e só serve para vingança dos radicais contra os ricos. Mas constataria também que ali está o viés estatizante de uma proposta de governo que tem pouca importância para seu guru político, mas tem tudo para selar a aliança da candidata com a ala radical do PT.

E ESSE é o ponto que pode complicar - e muito - a relação de Rousseff com seus aliados, caso se torne presidente da República do Brasil. Diferentemente de Luiz Inácio da Silva, ela não tem história no petismo, muito menos domínio das conflitantes tendências políticas que ali convivem. “O-CARA!” fez o que quis sem consultar o PT e nas divergências enquadrava a militância. Não seria assim com Rousseff. Pior ainda quando for ela a enfrentar o fisiologismo do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Falta-lhe traquejo político para lidar com as demandas por cargos, verbas e favores vindos de Michel Temer (PMDB-SP), José Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDB-AL), Jader Barbalho (PMDB-PA) Newton Cardoso Motta (PMDB-MG), et caterva.