Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, março 19, 2006

Trilha suspeita

Trilha suspeita

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


O mesmo Partido dos Trabalhadores (PT) que em 1992 foi o responsável por levar à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Caso PC Farias o depoimento do motorista Eriberto França, por meio do senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT-SP), na última Quinta-feira, 16, tentou impedir, através de um mandado de segurança do senador Tião Viana (PT-AC), que o caseiro Francenildo dos Santos Costa depusesse na CPI dos Bingos no Senado Federal. O depoimento do motorista abriu caminho para o impeachment do então presidente da República Fernando Collor de Mello (1990-92). O depoimento de Quinta-feira não oferecia, em princípio, nenhum perigo direto de impeachment do vosso presidente-candidato da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) , mas certamente criaria embaraços imediatos para o, ainda, ministro de Estado da Fazenda Antonio Palocci Filho (PT-SP) a quem o caseiro desmentira em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, na última Segunda-feira, 13. Foi por isso que o senador petista entrou com o pedido no Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que questões pessoais poderiam ser abordadas.

Na verdade, queria mesmo impedir que o caseiro confirmasse o que dissera na entrevista ao jornal paulista: que o ministro Palocci era chamado de chefe pela turma de Ribeirão Preto (SP), e que freqüentava a já famosa casa do Lago Sul de Brasília (DF), onde a indigitada turma fazia negociatas e orgias.

Certamente não faz parte do “fato determinado” da CPI apurar se autoridades participam de orgias, e impedir a exploração de fatos como esses na CPI seria perfeitamente cabível a um senador. Mas o mandado de segurança parece os comunicados da censura federal nos anos de chumbo da ditadura militar. Freqüentemente os meios de comunicação recebiam comunicados de que estavam proibidos de abordar fatos que eles nem mesmo sabiam que estavam acontecendo.

Os comunicados da censura serviam como pista para entender o que se passava nos bastidores do regime militar. Pois ficamos sabendo, de maneira categórica, através do senador Viana, o que incomoda o governo Luiz Inácio da Silva (2003-6) e o PT. Ele simplesmente pediu que o STF impedisse a CPI dos Bingos de investigar tanto os crimes em Santo André (SP), na gestão do PT, quanto o dinheiro que supostamente o partido recebeu de Cuba na campanha presidencial de 2002.

O senador Tião Viana queria que a CPI dos Bingos fosse proibida de investigar até mesmo o uso de caixa dois das campanhas eleitorais do PT, que já está sobejamente apurado e comprovado não apenas na CPI dos Bingos, mas também na CPMI dos Correios. Alega o senador do Acre que todos esses fatos e muitos outros, que atingem o PT diretamente, não fazem parte do “fato determinado” que deve ser apurado pela CPI dos Bingos, ou seja, o jogo ilegal no País.

Mas toda ligação da turma de Ribeirão Preto com Palocci Filho acaba esbarrando em acusações de financiamentos ilegais de campanha de 2002, da qual ele foi coordenador, com dinheiro de máfias da jogatina. O surgimento do nome do advogado e ex-assessor Rogério Buratti nas investigações, e a própria CPI dos Bingos se deveram ao primeiro de todos os escândalos, envolvendo o, então, assessor especial da Casa Civil, Waldomiro Diniz, e contratos da empresa GTech com a Caixa Econômica Federal (CEF) para jogos eletrônicos.

A partir daí, surgiram conexões com todos os outros casos que estão sendo investigados paralelamente na CPI dos Bingos, todos envolvendo, de uma maneira ou de outra, máfias de jogos. O próprio caseiro Francenildo dos Santos Costa disse que também viu na casa o empresário angolano Artur José Teixeira Valente Oliveira Caio, apontado por Buratti como doador de R$ 1 milhão para a campanha de Luiz Inácio da Silva em 2002, através de contato com o próprio ministro Palocci Filho.

A situação do ministro de Estado da Fazenda agrava-se à medida que, desde a primeira vez em que decidiu responder às acusações de Rogério Buratti, foi flagrado em versões no mínimo pouco acuradas, quando não apenas mentirosas. Foi assim quando disse que não havia feito contrato com empresas de lixo em sua gestão, e apareceu a fotocópia do contrato.

Ele alegou então que se referia a um tipo específico de varrição. Depois, disse que o PT alugara o avião do empresário Roberto Colnaghi e, desmentido pelo próprio, alegou que se expressara mal, atribuindo a uma falha semântica o que a oposição via como simples mentira. Finalmente, disse que nunca fora à tal mansão no Lago Sul, e foi desmentido por um motorista, Francisco das Chagas, e pelo caseiro que na última Quinta-feira o PT tentou calar.

No mandado de segurança de Tião Viana, ele pede também que o STF impeça a CPI dos Bingos de investigar pagamentos de “empréstimos” do PT, uma referência ao empréstimo que Luiz Inácio da Silva desconhece e que o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto (PT-SP), anunciou que pagou, sem avisar ao amigo. Okamotto não sabe explicar por que pagou em dinheiro vivo ao PT, mas a Oposição desconfia que a quantia veio do delubiovalerioduto engendrado por Marcos Valério de Souza e Delúbio Soares com o financiamento do caixa dos fundos de pensão dirigidos por sindicalistas do petismo tutelado pela corretagem dos bancos Rural e BMG.

O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que desencadeou todo o esquema de corrupção que domina o governo petista, já classificou esse empréstimo como o “Fiat Elba do Lula”. Uma referência à compra do carro por um fantasma do finado empresário alagoano Paulo César (PC) Farias, que ligou irremediavelmente o então presidente Collor aos desvios de dinheiro de seu tesoureiro, ligação que todos sabiam que existia, mas não se conseguia provar.

O dinheiro do delubiovalerioduto para pagar uma conta pessoal de Luiz Inácio da Silva seria essa ligação do esquema com o presidente-candidato, que até o momento está conseguindo convencer a maioria da população de que não tem nada a ver com a corrupção que cerca os homens de confiança de seu governo.

Por acreditar em sua inocência, o mesmo eleitorado que exige que o próximo presidente da República seja honesto e competente, considera Luiz Inácio da Silva o favorito para mais um mandato presidencial. A Oposição empenha-se em provar que essa falta de relação entre Luiz Inácio da Silva e a corrupção de seu governo é inverossímil.

O apoio da Oposição à governabilidade já é passado, e nesta Sexta-feira, 17, ela pediu a demissão de Palocci Filho do Ministério da Fazenda. As comparações da situação atual com o caso de Collor mostram que a campanha eleitoral será sangrenta como se esperava. E o que aconteceu nos últimos dias encurta o horizonte de Palocci Filho no Ministério da Fazenda. Ele sai desta crise enfraquecido e exposto, mesmo que esteja dizendo a verdade sobre freqüentar — ou não — a casa da “Tiurma de Ribeirão Preto” no Lago Sul.