Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, agosto 26, 2010

Mazela social

NESTE grande e bobo País rede de esgotos, fundamental para a saúde e para o desenvolvimento econômico, ainda é um luxo em quase metade das cidades. Em menos de meio século, a migração do campo para a cidade mudou radicalmente a distribuição espacial da população. Pelo menos 85% dos brasileiros vivem hoje em cidades. Mais do que nunca precisam de serviços públicos de saneamento. Em 2008, no entanto, só 55,2% dos municípios dispunham de coleta por meio de rede sanitária. A informação é da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) divulgada na última Sexta-feira, 20, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A melhora foi mínima desde a virada do milênio. Em 2000, a proporção era de 52,2%. O aumento foi de apenas 3 pontos porcentuais, embora o País tenha atravessado uma fase de prosperidade. Nesse período, a receita de impostos e contribuições cresceu rapidamente em todos os níveis de governo.

NO entanto a média nacional, de 55,2%, ainda esconde situações dramáticas na maior parte dos Estados e regiões. Na Região Sudeste, em 2008, havia redes coletoras de esgotos em 95,1% dos municípios. Em nenhuma outra região a proporção chegava a 50%. A melhor condição era a da Região Nordeste, com o serviço em 45,7% dos municípios.

E O saneamento continuou precário mesmo nas áreas com redes coletoras. Nessas, 33,5% dos domicílios tinham acesso ao serviço em 2000. Oito anos depois eram 44%. (Mais de metade, só na Região Sudeste, com a proporção de 69,8%.) Só três Unidades da Federação tinham números superiores a 50%: Distrito Federal (86,3%), São Paulo (82,1%) e Minas Gerais (68,9%).

INÚMEROS fatores contribuíram para a persistência de condições tão ruins. A Lei do Saneamento Básico (LSB) só foi aprovada e sancionada em 2007, depois de quase dez anos de discussões. O vosso guia, Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), só assinou o decreto de regulamentação dessa Lei há cerca de dois meses, no último dia 21 de Junho. Alguns Estados e municípios dispõem há muito tempo de serviços bem estruturados e com boa base técnica. Esses foram menos prejudicados pela demora na tramitação do projeto de lei.

SURGIRAM dificuldades, em muitas partes do Brasil, para a conclusão de contratos entre o setor público e possíveis prestadoras de serviços de saneamento. Além disso, muitos governos municipais foram incapazes, por falta de qualificação técnica, de preparar os projetos necessários para o recebimento de recursos federais. Havia dinheiro, mas faltavam condições técnicas e administrativas para a sua aplicação em programas de saneamento.

TAL detalhe foi aparentemente menosprezado quando se elaborou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007. A participação dos governos dos Estados e Municípios seria essencial para a realização de investimentos importantes, mas não estavam preparados. O problema só foi percebido muito depois. Resultado: apenas 12% das obras de saneamento previstas no PAC foram concluídas até Abril deste ano, segundo levantamento publicado na última Quinta-feira, 19, pela Organização Não-Governamental (ONG) Contas Abertas, especializada no acompanhamento das finanças e da gestão públicas. Os dados constam de 27 relatórios estaduais do Comitê Gestor do PAC divulgados em Junho último.

ENTRE as 8.509 ações programadas para o período 2007-2010, só 1.058 foram terminadas até Abril deste ano. Estavam sendo executadas 2.627. As demais 4.824 continuavam em licitação, contratação ou ação preparatória - no papel, portanto.

A FUNDAÇÃO Getúlio Vargas (FGV) tem realizado pesquisas sobre os problemas de saneamento e suas implicações econômicas e sociais. Segundo estudos citados num desses trabalhos, cada R$ 1 aplicado em saneamento resulta em economias na faixa de R$ 1,50 a R$ 4 em gastos com saúde. Além disso, há uma significativa redução nas faltas à escola e ao trabalho e, portanto, menor desperdício de recursos e de oportunidades. Um trabalhador com acesso à rede de esgotos tem produtividade cerca de 13% maior que a de pessoas sem esse benefício. Tem maior possibilidade, portanto, de ganhar mais e de elevar as condições de vida e as perspectivas de progresso da família. Nesse caso, como no caso da Educação, os efeitos tendem a multiplicar-se e os benefícios vão muito além do indivíduo.