Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, novembro 03, 2012

Relação perigosa

RIO DE JANEIRO (RJ) - A DÍVIDA pública federal continua aumentando, apesar da redução da taxa básica de juros desde o fim de Agosto de 2011, e atingiu em Setembro R$ 1,9 trilhão, com acréscimo de 20,7% em nove meses. Só de Agosto para Setembro a variação foi de R$ 37,6 bilhões, 2,1% em um mês. O resultado teria sido mais favorável, neste ano, se o governo houvesse abandonado a política de alimentar com dinheiro do Tesouro Nacional (TN) os cofres de suas instituições financeiras. Só em Setembro foram transferidos R$ 21,1 bilhões ao Banco do Brasil S/A (BB) e à Caixa Econômica Federal (CEF), sob a forma de empréstimos. A maior parte da emissão líquida de títulos da dívida - R$ 23,6 bilhões - foi destinada a levantar recursos para essas transferências. O resto do aumento da dívida ocorreu pela incorporação de juros.



O REPASSE de dinheiro a bancos públicos federais intensificou-se a partir da primeira fase da crise econômica internacional, em 2008-2009. Esses aportes, segundo o governo, deveriam servir para a reativação da economia por meio da expansão do crédito. O Programa de Sustentação de Investimentos destinado a apoiar as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), teria curta duração, segundo se anunciou. Seria mantido apenas como instrumento de suporte à economia afetada pela recessão nos grandes mercados desenvolvidos. A promessa foi esquecida, no entanto, e o programa se manteve.



O TESOURO Nacional (TN) vem-se endividando tanto para capitalizar diretamente as instituições financeiras públicas federais quanto para ajudá-las por meio de empréstimos - de fato, transferências sem volta. Neste 2012 já foram entregues R$ 61,1 bilhões ao BNDES, ao BB S/A e à CEF. Mais R$ 20 bilhões para o BNDES foram programados para este mês.



NA prática, o TN vem operando como se fosse um grande fundo bancário. Isso ultrapassa amplamente as funções adequadas ao principal órgão gestor dos recursos fiscais. Como a União é acionista daqueles bancos públicos federais, cabe ao TN participar das operações de capitalização, nos momentos adequados. Não lhe cabe, no entanto, alimentar o caixa dessas instituições por meio de empréstimos, e muito menos de empréstimos de retorno altamente duvidoso.



COM essa orientação, o governo restabelece perigosa promiscuidade entre o Tesouro Nacional e os bancos públicos. Essa relação perigosa foi aceita como normal durante longo período. As consequências foram desastrosas para as contas públicas, para a política monetária e, naturalmente, para os preços.



ESSA alimentação do crédito bancado pelas instituições públicas financeiras com recursos do Tesouro Nacional contribuiu para o descontrole inflacionário e para a desordem monetária e fiscal dos anos 1980 (Governo José Sarney, 1985-90). O primeiro passo para a reorganização da economia nacional foi dado no final daquela década, com a extinção da chamada conta movimento, o canal de transmissão dos recursos. Pelo menos esse problema estava resolvido, quando se lançou, em 1994 (Governo Itamar Franco), o Plano Real.



ESTA crescente promiscuidade entre o TN e os bancos públicos federais é um perigoso retrocesso. É uma das manifestações do voluntarismo característico da atual política econômica do governo petista. Esse estilo de administração se tornou mais evidente a partir do segundo mandato (2007-10) do então presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) e foi mantido na gestão Dilma Rousseff (2011-14).



ESSA política voluntarista prejudicou a gestão e os planos da companhia Petróleo do Brasil (Petrobrás) S/A, desorganizou os preços e afetou o mercado de combustíveis. O mesmo padrão é seguido pelo governo da presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), hoje, em vários setores da gestão econômica - na impropriamente chamada política industrial, na política monetária, cada vez mais dependente da orientação do Palácio do Planalto, e, de novo, na administração das empresas pública e estatais.



NÃO se desorganiza uma economia de um dia para o outro. Mas o resultado é certo, quando a visão de curto prazo começa a comandar os domínios da ação de governo, a começar pela política fiscal. Já não há dúvida quanto ao abandono dos vetores mais importantes da gestão macroeconômica - as metas de inflação, o compromisso com o resultado primário das contas públicas e o câmbio flutuante. A insistência no uso do Tesouro Nacional como instrumento da política de crédito reforça essa tendência.