Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, outubro 28, 2012

Demagogia que prejudica merecedores e excluidos

PASSADO mais de um mês após a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), ter sancionado a Lei que reserva 50% das vagas em Universidades e Institutos Públicos Federais a estudantes oriundos da rede pública do Ensino Médio, o ministro de Estado da Educação, Aloizio Mercadante (PT-SP), informou que ela será aplicada nos vestibulares do final do ano.



ESSA foi a resposta do governo às declarações dos reitores de 19 das 59 Universidades Públicas Federais, que alegaram não ter condições de alterar os cronogramas do processo seletivo, por terem publicado os editais dos vestibulares de 2013 sem previsão das cotas. A Lei foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e aprovada em agosto, atropelando o planejamento dos concursos vestibulares, que é feito com antecedência de um a dois anos. Até mesmo alguns dirigentes do Ministério da Educação (MEC) entendiam que as cotas deveriam começar a valer depois do segundo semestre de 2013.



EM várias Instituições Públicas Federais de Ensino Superior (IFES), o prazo de inscrição já expirou e sua eventual reabertura poderá gerar problemas administrativos e jurídicos. Uma dessas instituições é a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O edital da UFMG não previa cotas e o vestibular de 2013 teve mais de 60 mil candidatos inscritos. "A inscrição já fechou, não aceitaremos novas inscrições", diz Clélio Campolina - um dos 19 reitores que reivindicavam o adiamento da vigência do sistema de cotas.



ALÉM do encerramento das inscrições, as IFES invocam duas outras dificuldades para cumprir a lei de cotas nos próximos vestibulares. A primeira é de caráter burocrático. Por causa da greve dos professores e servidores técnicos-administrativos, que foi deflagrada em Maio e durou três meses, as IFES estão com suas atividades didáticas atrasadas, não dispondo de pessoal em número suficiente para adequar o processo seletivo à Lei de Cotas. A segunda dificuldade é de caráter financeiro. Segundo os reitores, os alunos beneficiados pelo sistema de cotas só poderão estudar se tiverem moradia estudantil e os recursos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAS) não são suficientes para a construção de novas residências universitárias.



O CRÍTICO mais incisivo do açodamento do governo é o reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Salles. "Querem nos empurrar goela abaixo essa lei. Não tenho condições de aplicá-la este ano, por questão de tempo. Temos de nos preparar para não fazer uma coisa de modo atabalhoado. Se quisessem pressa, deveriam tê-la aprovado no começo do ano. É a mesma coisa que fazer uma partida de futebol e, depois de terminado o segundo tempo, mudar as regras do jogo", afirmou Salles em entrevista à nossa reportagem. Ele também disse que, se for preciso, acionará a procuradoria jurídica da UFF contra o decreto da regulamentação da Lei de Cotas.



A LEI de Cotas reserva, em seu primeiro ano de vigência, 12,5% das vagas nas IFES para quem cursou o Ensino Médio em escola pública e prevê subcotas por critérios de renda e raça. Também fixa em quatro anos o prazo para que as universidades e institutos técnicos federais atinjam o teto de 50% de vagas reservadas.



UM dos problemas da Lei, segundo os reitores, é relativo ao arredondamento das frações correspondentes ao número de cotistas. Como a reserva de vagas será calculada com base em porcentuais e levará em conta candidatos pretos, pardos e índios na mesma proporção em que esses grupos aparecem no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o resultado será fracionado. Os reitores querem promover o arredondamento para baixo, enquanto o MEC pretende que ele seja feito para cima.



NOS três últimos anos, os concursos vestibulares das IFES foram prejudicados pelas trapalhadas cometidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja pontuação é levada em conta na seleção de candidatos. Agora, o processo seletivo será prejudicado pela pressa com que o governo quer aplicar uma lei demagógica, que compromete o princípio do mérito no Ensino Superior. É assim que a educação tem sido gerida.



AGORA ao divulgar o decreto e a portaria que regulamentam a Lei de Cotas, Mercadante acabou reconhecendo que a Lei dará o acesso às IFES a estudantes que não estão preparados para cursá-las.



A LEI também estabelece subcotas por critérios de renda e de raça. No primeiro caso, metade das vagas reservadas a "cotistas" deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar mensal per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 933, hoje). As IFES poderão exigir cópia da declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), extratos bancários e até nomear uma comissão encarregada de visitar o domicílio dos candidatos para verificar se vivem em famílias com baixa renda. O Decreto cria ainda um Comitê de Acompanhamento das Reservas de Vagas nas IFES, que terá, entre outras, a incumbência de fiscalizar o cumprimento da Lei de Cotas e propor "programas de apoio" a cotistas.



JA NO caso das subcotas raciais não haverá qualquer tipo de controle, bastando aos candidatos autodeclarar que são pretos, pardos ou indígenas. Pelo Decreto, os candidatos pretos, pardos e indígenas disputarão as mesmas vagas. Caberá, contudo, às IFES a prerrogativa de separar as subcotas raciais das cotas para indígenas. "Fomos o último país a abolir a escravatura nas Américas. A política de ações afirmativas busca corrigir essa dívida histórica. Temos de dar mais oportunidade àqueles que nunca tiveram, que são os pobres", disse Mercadante, depois de anunciar que vem preparando um sistema de tutoria e cursos de nivelamento para cotistas. "Os alunos terão um tutor que os acompanhará, verá as deficiências, ajudará a reforçar o que é necessário", afirmou. Com isso, ele admitiu os problemas de aproveitamento e desempenho escolar que a Lei de Cotas introduzirá nas Universidades Públicas e nos Institutos Técnicos Federais. É como se reconhecesse que as IFES passarão a ter dois tipos de alunos - os de primeira classe, escolhidos pelo princípio do mérito, e os de segunda classe, beneficiados pelo sistema de cotas. "A experiência demonstra que parte desses alunos precisa de acompanhamento, especialmente no início do curso. Temos de garantir que saiam em condições. Inclusive, vamos fazer uma política de assistência estudantil, para que os cotistas possam se formar e ter seu diploma", afirmou.




CONTUDO, mostrando como são tomadas as decisões do governo petista na área social, Mercadante anunciou que o "modelo nacional de nivelamento e tutorias" não deverá estar pronto antes do próximo concurso vestibular, quando o regime de cotas entra em vigor. Portanto, apesar da retórica oficial em favor de políticas afirmativas, o MEC não estava preparado para lidar com os problemas trazidos por uma lei que aumentará significativamente as responsabilidades, a burocracia e os gastos das IFES com atividades-meio.



A PREOCUPAÇÃO em agitar a bandeira das cotas às vésperas de uma eleição é tanta que, na mesma entrevista em que reconheceu que o governo ainda não tem um plano de nivelamento e tutoria para cotistas, Mercadante disse que está cogitando de usar o sistema de cotas também no Programa Ciência sem Fronteiras, que dá bolsas para Cursos de Graduação e Pós-Graduação no exterior. Mas, segundo ele, essa iniciativa teria de ser precedida do Ensino de idiomas estrangeiros em massa. "Se não tem proficiência em inglês, só posso mandar os alunos para Portugal", afirmou. Mercadante alegou que o MEC está preparando o programa Inglês sem Fronteiras. Mas, como se tornou rotineiro na administração petista, ele deverá ser implantado depois do anúncio da extensão do regime de cotas para o Programa Ciência sem Fronteiras.