Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Insólita virada de mesa

A PARTIR da discussão de um recurso no qual o governo italiano pedia esclarecimento de dúvidas constantes do texto que resume o julgamento do terrorista italiano Cesare Battisti, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a agir de maneira insólita, alterando a decisão que havia dado ao caso há exatamente um mês. Foi uma "virada de mesa", afirmou o ministro do STF, Marco Aurélio Mello, durante a sessão que foi marcada por novas e constrangedoras cenas de bate-boca entre seus integrantes. "Estamos aqui a reabrir os votos. Isso é perigosíssimo", disse Mello nas altercações que teve com o ministro Eros Grau.

NA SESSÃO do julgamento de Novembro ultimo por 5 votos contra 4 o plenário do STF decidiu que Battisti deveria ser extraditado, mas que a palavra final caberia ao presidente da República, que poderia entregá-lo ou mantê-lo no País. Em seu pedido de esclarecimento, os advogados do governo italiano perguntaram à mais alta Corte brasileira se o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) teria liberdade total para tomar essa decisão ou se seria obrigado a levar em conta o tratado de extradição que foi firmado pelo Brasil com a Itália, em 1989, e aprovado pelo Congresso Nacional, em 1993. Ao responder ao pedido, Eros Grau afirmou que o presidente da República somente poderá agir com base nos termos do tratado, sob pena de responder por crime de responsabilidade e ficar sujeito a contestação no próprio STF. Na prática, isso limita as alternativas legais de que “O-CARA” disporia para decidir o futuro do facínora italiano, que foi condenado por quatro crimes de homicídio em plena vigência da democracia na Itália.

UMA VEZ que em momento algum o tratado de extradição Brasil-Itália foi invocado no julgamento de Novembro, o "esclarecimento" acabou abrindo uma brecha jurídica para que os advogados do governo italiano entrem com um novo recurso contra a decisão do STF, o que pode mudar radicalmente os rumos do processo. Para os ministros Marco Aurélio Mello e Ayres de Britto, o colega Eros Grau teria alterado o teor do voto que deu em Novembro, derrubando com isso a decisão dos cinco ministros que, ignorando o tratado de extradição, deram ao “CARA” a liberdade total para entregar ou não Battisti à Itália.

AGORA, qualquer que venha a ser o desfecho desse caso, ele é mais um exemplo da incerteza jurídica reinante no País. Como instância máxima do Poder Judiciário, cabe ao STF aplicar a Constituição Federal e garantir a segurança jurídica nas relações sociais, econômicas e políticas. Nos últimos tempos, contudo, tem proferido decisões confusas no mérito, imprecisas na forma e mal fundamentadas em termos legais, a ponto de gerar mais confusões do que oferecer soluções para quem bate em suas portas com o objetivo de preservar seus direitos.

ESSA oportuna mudança no rumo do caso Battisti ocorreu uma semana após o STF, ao julgar o recurso impetrado pela diretoria do Jornal O Estado de S. Paulo contra a censura prévia que lhe está aplicada por uma Corte de 2º grau, impedindo-o de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica - àquela empreendida pelo Departamento de Polícia Federal contra o empresário Fernando Sarney -, ter dado uma decisão contrária a outra que fora tomada meses antes, em matéria de direito de informação. Na ocasião, a Corte revogou a velha Lei de Imprensa da ditadura militar (1964-85) e o extenso acórdão da decisão, divulgado na primeira semana de novembro, enfatizou a importância das liberdades públicas, das garantias fundamentais e da certeza jurídica para o regime democrático e o Estado de Direito.
DESDE aquela data então, os advogados de jornalistas e órgãos de comunicação passaram a utilizar o acórdão como marco legal para suas petições nas diferentes instâncias judiciais. No julgamento do recurso do Jornal O Estado de S. Paulo, porém, alguns ministros do STF ignoraram o voto dado no caso da Lei de Imprensa, desprezaram o acórdão correspondente e mantiveram a censura. E, ao justificar a contradição, apelaram para formalismos processuais, esquecendo-se de que, numa Corte constitucional, o que deve prevalecer são os princípios fundantes da República, princípios esses que - inclusive no que diz respeito à liberdade de imprensa -, pela Constituição Federal, são cláusula pétrea.

TAIS incertezas jurídicas que têm sido causadas por tribunais cuja atribuição é garantir a segurança do direito e zelar pela Constituição Federal, como os casos do Jornal O Estado de S. Paulo e de Battisti evidenciam, solapam a confiança da sociedade na Justiça e geram tensões institucionais, políticas e diplomáticas que poderiam ser evitadas.