Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, dezembro 13, 2005

Sucumbidos

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Perdemos todos nós! Este findouro 2005 da graça da Mãe das Águas foi um ano de grandes dificuldades. Um dos mais difíceis da nossa História. Na economia, a chance de crescimento encolheu. Na política, o País viveu um trauma devastador com repercussões no presente e no futuro. O Partido dos Trabalhadores (PT) errou; antes, durante e depois da crise política. O presidente da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) sucumbiu; por não ter respostas adequadas, por demorar a reagir, pelo comportamento altruísta, por pensar tanto em reeleição.

No começo do ano, o ex-deputado José Genoino (PT-SP) era presidente do PT; o ex-deputado José Dirceu (PT-SP), o ministro de Estado mais poderoso do País; o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira, dois condestáveis que entravam em qualquer gabinete e usavam até sala de reunião no Palácio do Planalto. O ano termina com Genoino no ostracismo, Zé Dirceu teve os direitos políticos cassados até 15 de Fevereiro de 2016, Delúbio réu confesso de vários crimes, Silvio Pereira esmagado por um Land Rover promíscuo.

O núcleo duro do governo não apenas encolheu; desapareceu. O ministro de Estado da Fazenda Antonio Palocci Filho (PT-SP) termina 2005 enrolado em denúncias do seu passado e desautorizado internamente pela ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República Dilma Rousseff (PT-RS) que, agora, diz quem fica ou deixa de ficar no governo. O ex-ministro extraordinário da Comunicação Institucional do Governo Luiz Gushiken (PT-SP) terminou o ano subsecretário e com a crise mordendo seus calcanhares.

O PT se apresentou durante 20 anos como o único puro entre pecadores. Descobriu-se ao longo deste ano sua vasta lista de pecados: fez caixa dois, recebeu dinheiro de origem escusa, fez remessa ilegal ao exterior, fez declaração falsa à Justiça Eleitoral e foi à bancarrota. Foi quem mais encolheu no ano.

Agentes do Departamento de Polícia Federal (DPF) invadiram a sede do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas não fez o mesmo com o PT cujo tesoureiro disse publicamente que usara “dinheiro não contabilizado”. A burocracia da Secretaria de Receita Federal (SRF) precisou de seis meses para pedir informações a um partido que confessara crime fiscal. As duas instituições, também, sucumbiram por não saberem a diferença entre Estado e governo. Essas instituições deveriam servir ao Estado. O Banco do Brasil (BB) sucumbiu porque os seus administradores foram flagrados em práticas condenáveis e toscas para favorecer o partido do governo. A diretoria do BB começou 2005 dizendo perseguir modernas práticas de governança corporativa, acabou o ano enredado em histórias que não consegue explicar.

A Procuradoria Geral da República (PGR) decidiu manter o lobista Marcos Valério de Souza em liberdade contra todas as evidências de que ele usava seu tempo livre para queimar notas frias, instruir testemunhas e obstruir a Justiça. Sucumbiu, também, aquela Procuradoria da República.

O presidente da República sucumbiu porque mostrou que não sabe enfrentar crises. Ele deu respostas tardias, insuficientes e contraditórias. A lista dos argumentos que usou em sua defesa é estranha porque não se pode traçar um fio lógico entre eles. Disse que a crise não era com ele, mas apenas “problema do partido”, depois justificou o mal feito dizendo que caixa dois era coisa feita “sistematicamente”, depois disse que foi traído, mas nunca revelou por quem; depois, que tudo era culpa da imprensa, que acusa sem provas; denunciou uma suposta conspiração da direita e, por fim, fixou-se na esdrúxula tese de que nada fora provado contra Zé Dirceu e que seu governo sofreu uma devassa sem que nada fosse encontrado.

Pior do que as trapalhadas nas quais o governo e o partido do governo se meteram é o reflexo da crise nos cidadãos e na fé que se pode ter nas instituições. Ao criar expectativas inatingíveis e se afundar numa crise pior do que a prevista pelo mais pessimista dos brasileiros, o PT fez mal ao País e à política. Tivesse feito uma autocrítica decente, tivesse parado de culpar outros por seus erros, tivesse procurado sinceramente a verdade, que ainda hoje esconde de seus militantes, o PT teria reduzido o prejuízo coletivo da crise.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também sucumbiram. Com decisões como a de liberdade ao ex-prefeito de São Paulo, Paulo Salim Maluf (PP-SP), com o argumento de que o ministro Carlos Veloso apiedara-se de sua sorte de estar preso com o filho, ou a de soltar o coronel Pantoja, comandante-em-chefe do massacre em Eldorado dos Carajás (PA), e, por fim, ao ser presidido por um ministro, Nelson Jobim, que está com um pé e a cabeça na disputa político-eleitoral de 2006.

A perspectiva de crescimento da economia sucumbiu durante o ano. Era para a economia do País crescer 4% e vai ter que se contentar com dois e pouco. Apesar disso, a economia produziu um volume considerável de notícias boas que serviu como um colchão amortecedor da pesada crise política.

Para 2006, há chance de um ano melhor na economia, baseado nos seguintes fatos: a inflação deve ficar sob controle e a queda dos Índices Gerais de Preços (IGPs) fará com que, pela primeira vez desde 1999, os preços administrados puxem os índices para baixo. A queda das taxas de juros, que já começou, pode prosseguir durante 2006 criando um ambiente mais favorável ao crescimento e ao consumo. Os sólidos indicadores econômicos externos, o fato de o Tesouro Nacional (TN) ter acumulado reservas para fazer frente a compromissos externos, o bom quadro internacional persistindo ao longo de 2006 podem produzir um ambiente de crescimento com inflação baixa.

A disputa política, porém, pode ser selvagem e incerta no próximo ano. Que a taxa de radicalização política chegará ao paroxismo na campanha eleitoral de 2006 já está claro e explicitado. Dessa luta corporal, em que tudo será canela abaixo da linha do pescoço, não ficarão apenas hematomas pessoais. Haverá um País a ser governado, com todos os seus problemas, necessidades e deficiências, inclusive institucionais. O grande perigo é o de que partamos para uma política de vetos recíprocos, um permanente acerto de contas que privará qualquer grupo vencedor das condições de governar.

Reflexões como essas perpassam os poucos nichos, habitados por governistas ou oposicionistas, ainda não transtornados pela sanha eleitoral. E isso vale tanto para um cenário de reeleição do vosso presidente Luiz Inácio da Silva (2003-6) como de vitória da Oposição. Tal cultura política alimenta-se de ressentimentos como os que estão sendo criados pela crise política em curso. Ela induz o grupo apeado do poder a caneladas a ter como único objetivo inviabilizar o governo do vencedor.

Temos a História como testemunha: o Brasil experimentou a política de vetos nos anos 1950, quando o ex-governador do extinto Estado da Guanabara Carlos Lacerda e sua União Democrática Nacional (UDN) diziam que, se Juscelino Kubitcheck de Oliveira (JK, 1955-1960) ganhasse a eleição, não tomaria posse e se tomasse posse não governaria. Esses vetos civis tinham, naquela época, ecos nos quartéis. De vetos e levantes seguidos, este País chegou ao Golpe Militar de 1964. Com a redemocratização, as “forças ocultas” abandonaram a cultura dos golpes mas estão se construindo as condições para a política de vetos partidários, que pode ter como coadjuvantes os movimentos sociais que expressam as demandas não atendidas pelo Estado Brasileiro nestes 20 anos de democracia.

Já no governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o PT e os outros partidos aliados na Oposição praticavam o veto quando boicotavam propostas como a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento e incentivo do Ensino Fundamental (Fundef) em 1995 (e que agora o atual governo pretende expandi-lo para o Ensino Médio e para a Educação Infantil, através de projeto que deverá ser aprovado no Congresso Nacional ainda este mês, rebatizando-o: Fundo Nacional de Desenvolvimento e Financiamento da Educação Básica - Fundeb) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) também em 1995, que no poder os petistas viriam a abraçar. Na Oposição, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) começou colaborando com a aprovação das reformas constitucionais propostas pelo presidente Luiz Inácio da Silva, mas bem antes da crise, já na campanha eleitoral de 2004, armou sua cruzada para enfraquecer o PT e evitar sua permanência no poder. A disputa pela Prefeitura Municipal de São Paulo (SP) foi o ensaio mais claro. Quando o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) abriu a cortina e mostrou o que o PT fazia no quarto dos fundos enquanto Luiz Inácio da Silva encantava o mundo, peessedebistas e pefelistas ganharam um salvo-conduto para calçar chuteiras e usar o soco inglês.

O ambiente político que está se criando já seria perigoso, se fôssemos uma nação com democracia mais provecta, instituições maduras e sistema político mais racional. Num quadro partidário em que não há chance de um presidente da República sair consagrado das urnas, mas dotado de maioria parlamentar, alguns agentes políticos estão brincando com gasolina e fósforos. Apesar da crise e de suas causas tão claras, o Poder Legislativo não foi capaz de produzir qualquer mudança nas regras eleitorais. Vamos para a eleição de 2006 com o mesmo sistema que propiciou o surgimento do delubiovalerioduto que viabilizou o financiamento do mensalão. Os partidos vão sair das urnas em frangalhos e seus líderes, encharcados de rancor.

Abraçados ao rancor, não há dúvida de que os derrotados estarão vetando o vencedor no dia seguinte. Transição civilizada? Hoje, nem pensar.

Por hora, portanto, nada mais sintomático do início da campanha eleitoral do que a reaparição dos vídeos da campanha de Luiz Inácio da Silva em 2002. Alguns deles — aqueles em que o então candidato faz suas promessas de governo — serão exibidos pelo presidente do Partido da Frente Liberal (PFL), senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), numa entrevista coletiva que dará nesta Quinta-feira, 15, para fazer um balanço dos três anos do governo Luiz Inácio da Silva.

Municiado de dados que uma equipe técnica vem colhendo no Sistema Integrado de Administração Financeira Federal (Siafi) e no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, Bornhausen vai bater forte no desempenho administrativo do governo petista, mostrando que a má execução orçamentária sacrificou projetos e privou de recursos a área de segurança e a política de moradia (dois setores em que o governo passado também falhou forte).

Mostrará os vídeos ao fazer um “inventário do estelionato eleitoral”, lembrando promessas sobre a geração de empregos, criação de farmácias populares, duplicação do valor real do salário-mínimo. Não baterá no Programa Bolsa Família, mas dirá que os avanços na redução da pobreza, mostrados pela Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad) divulgada no fim de Novembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são fruto, em grande parte, do prolongado controle da inflação a partir da implementação do Plano Real (1994) e dos programas constitucionais como Loas (1996) e a aposentadoria rural (1995). Como última rajada, uma súmula das denúncias que já atingiram o PT e o governo Luiz Inácio da Silva (2003-6).

E na nesta Terça-feira, 13, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) faz convenção nacional para reeleger Martinez Filho (PTB-PR) presidente da sigla até 2007. Vitória aparente do grupo ligado ao ex-deputado Roberto Jefferson, que vem se batendo para tirar o partido da órbita de influência do PT em 2006. Mas com a manutenção da clausula da verticalização na legislação eleitoral, o PTB tende a não apoiar ninguém para a Presidência da República, ficando livre para fazer as alianças que quiser, onde quiser.

O governo Luiz Inácio da Silva está piscando para o populismo econômico e alimentando a divisão do País ao inventar uma conspiração inexistente de seus adversários. 2006 não será um ano fácil. Mas que ninguém o dê por perdido. A democracia oferece aos eleitores a chance da renovação do contrato entre governantes e governados a cada novo ciclo político. A vida oferece às pessoas a chance de renovação da esperança a cada novo ano.