Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, fevereiro 19, 2012

Condição absurda

SALVADOR (BA) – A PARTIR do momento em que assumiu o comando do Ministério da Educação (MEC), há três semanas, o ministro Aloysio Mercadante (PT-SP), já concedeu inúmeras entrevistas sobre as reformas que pretende promover numa das mais estratégicas áreas da vida brasileira. Nessas entrevistas, Mercadante falou muito e deixou claro que não tem projeto de gestão definido nem critérios técnicos para justificar a fixação de prioridades.

MERCADANTE prometeu mudar a metodologia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cuja próxima edição está marcada para os dias 03 e 04 de Novembro de 2012, adotando critérios mais rigorosos para a correção das provas. O ministro recém-empossado disse que a escola não está "interessante" e que concederá bônus para aquelas unidades de ensino público que alfabetizarem as crianças de até 8 anos de idade. Também, defendeu o uso de tecnologia digital pela rede pública do Ensino Fundamental e afirmou que o "arranjo social da sala de aula" e o quadro negro são do século XVIII, os professores são do século XX e os alunos do século XXI. "Nós, professores, somos analógicos e imigrantes digitais. Os alunos são nativos digitais. Não queremos um apartheid digital, como tivemos um apartheid educacional no passado".

ALÉM disso, Mercadante declarou-se favorável à aplicação de um exame nacional aos docentes, que definiu como instrumento de motivação dos professores que trabalham em redes municipais do ensino público com baixo desempenho e em áreas de risco. Contudo, foi evasivo sobre o futuro do Plano Nacional de Educação (PNE), que está parado no Congresso Nacional há mais de um ano. Esse exame nacional para os professores está previsto no PNE que tramita no Congresso Nacional, e que também estabelece diretrizes do setor para essa década de 2010. Quanto a metas, Mercadante disse que compartilha "a forma de ver" da presidente da República, Dilma Rousseff (PT-RS). "Ela diz que sempre precisamos estabelecer metas como quem lida com arco e flecha: mira um pouco mais acima para acertar o alvo" (sic).

QUETIONADO pela nossa reportagem sobre as fontes de financiamento do setor educacional e sobre a reivindicação de associações de docentes, que pedem a elevação do investimento público em ensino público para 10% do Produto Interno Bruto (PIB), Mercadante lembrou que o dinheiro poderá vir da exploração de petróleo na Camada do Pré-Sal. "O que nós temos de novo para poder dar um salto é o Pré-Sal. Os royalties são para você preparar a economia pós-petróleo. Porque o Pré-Sal é uma energia não renovável. As futuras gerações não terão acesso. O que podemos fazer era vincular pelo menos 30% dos recursos do Pré-Sal para educação, ciência e tecnologia e fazer um grande pacto de que pelo menos durante uma década a prioridade vai ser investir em educação".

E COM declarações vagas como essas, o novo ministro de Estado da Educação mostrou não ter o preparo necessário para o exercício do cargo, deixando os especialistas em pedagogia perplexos. Segundo eles, o País - que hoje tem cerca de 3,8 milhões de crianças e jovens fora da escola e padrões de ensino muito ruins - não pode esperar pelos dividendos da exploração do petróleo da Camada do Pré-Sal para melhorar a qualidade de seu sistema educacional. Em outras palavras, condicionar o aumento do financiamento da educação ao Pré-Sal é apenas uma forma de furtar-se a uma definição sobre a questão fundamental do aumento dos investimentos de que o setor educacional tanto necessita. Por enquanto, eles deverão permanecer como hoje - ou seja, muito abaixo dos padrões necessários a uma economia competitiva e capaz de ocupar espaços cada vez maiores no mercado mundial.

NA realidade, a ideia de condicionar qualquer fonte de recursos para a educação ao Pré-Sal é absurda - a começar pelo fato de que os primeiros lucros da exploração desse tipo de petróleo demorarão décadas para aparecer. Até lá, se o Poder Executivo não financiar com recursos próprios projetos de melhoria do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, o Brasil terá perdido pelo menos uma geração. Além disso, Mercadante parece não compreender - o que demonstra surpreendente despreparo - que se o governo não começar a preparar desde já as crianças em idade pré-escolar, elas não terão a formação necessária para aprender matemática e ciências, os requisitos básicos de uma mão de obra capaz de trabalhar na exploração do petróleo na Camada do Pré-Sal e nos projetos de inovação científica e tecnológica inerentes àquele projeto.