Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, julho 13, 2009

Maracanã - RC’ 50 anos

RIO DE JANEIRO - AQUELE jovem nascido em Cachoeiro do Itapemirim (ES) e que só conhecia o Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã, como o templo da bola, jamais imaginou que o maior estádio do mundo (a céu aberto), convertido em palco de megashows, um dia seria todo seu. Cerca de 68 mil fãs se reuniram debaixo de chuva, na noite de Sábado, 11, para celebrar os 50 anos de carreira do cantor e compositor capixaba, Roberto Carlos, que entrou no palco em seu calhambeque azul.

RC entoou o "mal" na canção "É preciso saber viver", durante o show de comemoração dos seus 50 anos de carreira e que terá registro em DVD, um sinal de recuperação em registrar o original em vez de “se o bem e bem existem", dos últimos anos - e quando cantará "Quero que vá tudo pro inferno?". À parte a unanimidade do encontro dele com o parceiro carioca Erasmo Carlos e a maninha Wanderléia, as novidades do show foram apenas algumas músicas que ele não cantava normalmente, mas não houve qualquer mudança de formato para a comemoração de meio século, só uma produção bem mais caprichada, com moving lights no entorno do estádio, fogos e telões de alta definição. Nossa reportagem recebeu reclamações de leitores de que nada se ouvia na arquibancada, um tropeço da produção. Não basta apregoar que é o maior show da carreira, tem que respeitar os que lá foram e saíram encharcados numa noite meio fria com grandes chances de pegar uma gripe.

O MEGASHOW mostrou maior participação popular no inspirado repertório dos anos 1970. O chamado bloco sensual, conhecido como a fase motel songs, foi o que mais empolgou a platéia, com gritos histéricos de vozes femininas em "Seu corpo," "Proposta", "Os seus botões", "Café da manhã" e "Cavalgada", esta o melhor momento instrumental do show com um vigoroso solo de guitarra e a orquestra numa apoteose eloqüente. A guitarra roncou também o bloco da Jovem Guarda, mas RC há décadas perdeu a pegada rock e canta as músicas como cantor romântico, o que lhes tira a força original.

O MEGA espetáculo deixou claro que RC é rei pela sua produção das duas primeiras décadas de carreira. O público vibrou com “Detalhes”, “Como é grande o meu amor por você”, “Eu te amo, eu te amo, eu te amo” e “Outra vez”. Do começo dos anos 1980 é o hino de Roberto Carlos, "Emoções" mas daí em diante impera a mesmice que caracteriza as décadas seguintes até os dias de hoje. RC não lança um disco de inéditas desde "Pra sempre" (2003) e nas entrevistas da semana que passou disse que o novo será este ano ou em 2010. Resta saber se ainda existe fogo debaixo das cinzas reais mas, pelos antecedentes, nada se deve esperar.

NO Maracanã, placas cobriram os 12 mil metros quadrados do gramado, onde se acomodaram os fãs que pagaram os ingressos mais caros, R$ 180,00. Eles dividiram o espaço com os convidados dos patrocinadores – TV GLOBO, Nestlé e Banco Itaú –, como os atores Tony Ramos, Carolina Dieckman e Selton Mello (TV GLOBO) e os cantores Rosemary e Alcione.

ENQUANTO isso, quem estava de longe, nas arquibancadas, via Roberto pequenininho, e conferia os detalhes pelos telões. Ele chegou já fazendo declaração de amor ao público, que retribuiu com muitos gritos de "eu te amo" e "rei, rei, rei, Roberto é nosso rei", com palmas e cantando junto. "Essa é a maior emoção que eu já senti em toda a minha vida. Parece um sonho. Se eu estiver sonhando, não me acordem até o fim do show", disse o cantor, pouco antes de abrir a noite com “Emoções”. Em seguida, vieram “Eu te amo, te amo, te amo”, “Além do horizonte”, “Amor perfeito”, “Detalhes” e muitos outros clássicos.

A CHUVA, que chegou forte quando RC cantava Caminhoneiro, foi uma prova de fogo. Houve quem fosse embora ao primeiro pingo. A executiva de vendas Elza Alexandre, de 49 anos, ficou. "Na barriga da minha mãe, eu já tremia quando ele cantava. Ganhei os ingressos num sorteio da Nestlé e não vou embora por nada", me disse.

NESTE show memorável aos seus 50 anos de música, RC esteve acompanhado por 40 músicos. O palco de 500 metros quadrados foi o maior que ele já pisou. O público para o qual cantou, não. Em 1992, já havia se apresentado para 300 mil pessoas em Mar del Plata, na Argentina. No entanto, todos no Maracanã sabiam que aquele era um show especial. "Vim preparada para chorar muito. Trouxe capinhas e lenços", brincou a atriz Cissa Guimarães (TV GLOBO). "Ele está num momento pleno, mais bonito, prestando atenção em outras coisas", comentou a cantora Rosemary. "Eu estava muito ansiosa para chegar este dia. Nem fui trabalhar para poder ficar em casa me arrumando. Hoje é o dia de Roberto Carlos", disse a empregada doméstica Jussara Bernardo.

NOS próximos dias 21, 22, 28 e 29 de Agosto, Roberto Carlos se apresentará no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo. A última vez que o cantor esteve na cidade foi para tocar no Teatro Municipal, no último dia 26 de maio, no show 'Elas Cantam Roberto' com a participação de 20 cantoras de diferentes gerações.

O PRIMEIRO show das comemorações dos 50 anos foi realizado na cidade natal do Rei, Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo, no dia 19 de Abril, um Domingo. No dia, Roberto Carlos também comemorou 68 anos de idade na frente de 12 mil pessoas que lotaram o estádio municipal.

Inimigo oculto

RIO DE JANEIRO - FOI em tom de comemoração que o Escritório da Organização das Nações Unidas para Drogas e Crime (Unodc) divulgou, no final de Junho, o Relatório Mundial sobre Drogas 2009, no qual celebra os cem anos de campanhas contra elas, tidos como um dos resultados mais positivos da cooperação internacional. E realmente, o mundo tem motivos para comemorar, porquanto, segundo o relatório, "o mercado global de cocaína, de US$ 50 bilhões, sofreu abalos sísmicos", tendo a produção caído em 15% - a maior queda em cinco anos. Mas, no Brasil, não há motivo para se comemorar coisa alguma, pois, ao contrário do que ocorre no mundo, o consumo de cocaína quase dobrou em três anos - com o número de brasileiros hoje viciados nessa droga chegando à casa dos 890 mil. E o mais grave é que aqui houve um aumento substancial do consumo de crack, derivado mais barato e mais maléfico da cocaína, cujos volumes de apreensão triplicaram, indo de 145 mil para 578 mil quilos. Como diz Bo Mathiasen, representante da Unodc em nosso País, "o crack vicia muito, agravando, rapidamente, o problema da dependência química".

EMBORA tenham sua lógica, parecem-nos até paradoxais as explicações que os especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) dão para o aumento grande e rápido do consumo de drogas no Brasil, resultante, segundo eles, de dois fatores positivos: o primeiro, é a melhoria da situação econômica brasileira, com mais pessoas passando a fazer parte da chamada classe média - hoje em torno de 51% da população, segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Um dos efeitos disso seria a destinação de mais dinheiro para a compra de entorpecentes. O segundo fator seria a melhoria das estatísticas sobre o número de usuários de drogas, em parte pelo aumento das apreensões e em parte pelo aumento do atendimento de viciados nos serviços de saúde. Quer dizer, o País estaria mais bem aparelhado para reprimir as drogas e tratar dos viciados - e por isso apareceriam as quantidades maiores de drogados.

SEM contestar o diagnóstico dos especialistas da Unodc, não há como deixar de acrescentar aos fatores mencionados, um outro, de natureza axiológica, relacionado com a quebra geral de valores - na sociedade, em geral, e na família, em particular - que tem levado a um generalizado desregramento de costumes e comportamentos ou a uma ausência de freios morais que estabeleçam os limites que antes subsistiam no convívio civilizado das comunidades, pelo menos no Ocidente. E aqui é oportuno lembrar o que dizia o filósofo Julian Marías, quanto ao fato de o uso das drogas ser incompatível com o tipo de civilização ocidental - embora possa conviver bem com outras, como certos povos indígenas ou orientais -, porque nossa civilização tem como um de seus alicerces fundamentais a racionalidade que herdamos do pensamento greco-romano. E este nos parece, a propósito, o argumento principal contra a idéia que muitos defendem de legalizar o uso de entorpecentes, com base na suposição - já desmentida pela experiência de algumas cidades do mundo - de que seu livre comércio haveria de reduzir seu consumo. O documento da entidade ligada à ONU, aliás, rejeita taxativamente a hipótese de legalização.

ORA, SE no mundo de hoje há um problema generalizado de perda de valores, por que na sociedade brasileira - e, em especial, em nossa juventude - isso repercutiria de maneira mais intensa, no que diz respeito ao uso de drogas? Em outras palavras, será que o corpo social brasileiro estará mais esgarçado do que o de outros povos do mundo, no tocante à preservação de seus valores? Quando examinamos nosso baixo nível educacional, os volumes de nossa criminalidade e, de modo consectário, os de nossa impunidade, e sobretudo os padrões éticos vigentes em nosso espaço público-político, especialmente nos últimos tempos, pode-se fazer tristes associações. Se no tenebroso capítulo das drogas o País está marchando na contramão do resto do mundo civilizado - e, desgraçadamente, em velocidade espantosa -, há que examinarmos, com a máxima preocupação, até que ponto estamos nos afastando dos princípios e valores que forjaram as melhores democracias do mundo contemporâneo.

EM Brasília (DF) anunciou-se, após a divulgação do relatório da Unodc, que as Forças Armadas e o Departamento de Polícia Federal (DPF) redobrarão os esforços conjuntos para combater a entrada de drogas nas fronteiras. É medida necessária que, no entanto, só será eficaz com o reforço dos valores familiares.