Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, abril 27, 2012

Traços da miopia e retórica vazia


FRACASSO inegável, a 6ª Cúpula das Américas, com a participação de 31 chefes de governo realizada no inicio deste Abril, terminou em silêncio por falta de assunto. Não houve sequer o comunicado cheio de retórica e vazio de propostas concretas, fecho quase inevitável de reuniões desse tipo. Com uma franqueza fora do comum, governantes e diplomatas desistiram de gastar tempo e esforço num documento produzido apenas para constar. A reunião terminou sem o consenso mínimo para a criação de grupos de trabalho e para o esboço de uma pauta para a próxima conferência, marcada para 2015 no Panamá. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anfitrião do encontro, abriu a conferência lamentando a exclusão de Cuba, um resquício, segundo ele, da guerra fria. Mas a explicação mais plausível para o paupérrimo resultado da reunião é de outra ordem. Falta aos governos do hemisfério uma agenda pragmática para a discussão de interesses comuns.

SEM essa agenda, velhas diferenças políticas tendem a dificultar a ação conjunta e a minar a cooperação. A questão cubana é apenas um dos focos de divergências. A presidente Cristina Kirchner foi à conferência com a ambição de conseguir apoio continental para a disputa com o Reino Unido da Grã-Bretanha a respeito das Ilhas Malvinas. Não deu certo e ela voltou a Buenos Aires antes do encerramento do encontro. Num esforço para atenuar o fracasso, o presidente colombiano destacou, no balanço final, o debate mais aberto sobre a questão das drogas, com a participação do presidente Barack Obama. O problema é importante, mas o alcance da discussão foi limitado.

AQUELA reunião na Colômbia ainda teria alguma utilidade, se os governantes e diplomatas fossem capazes de extrair do fracasso uma lição simples: esforços de integração só produzem resultados se seus objetivos forem muito claros. Mesmo assim podem fracassar, total ou parcialmente, como as negociações da criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e as discussões da Rodada Doha. Mas, sendo claros, esses objetivos servirão de orientação para novas tentativas.

A PRIMEIRA Cúpula das Américas, celebrada nos Estados Unidos da América (EUA) em 1994, serviu para o lançamento de um grande projeto de integração comercial de 34 países americanos. Enquanto esse projeto foi mantido, as conferências de chefes de governo das Américas tiveram como foco as questões regionais de comércio e de investimento. O projeto da ALCA foi liquidado em 2003-2004, principalmente pela miopia ideológica do então presidente da República (2003-10), Luiz Inácio da Silva (PT-SP), apoiado por seu (finado) colega argentino Néstor Kirchner. O projeto da integração hemisférica por meio de uma negociação geral foi derrubado, mas os governos dos EUA e de vários países latino-americanos encontraram outros caminhos para negociar. O Chile havia saído na frente. Vieram depois negociações com centro-americanos, com a Colômbia e com o Peru. O Equador teria seguido esse caminho, se o presidente Rafael Correa não tivesse preferido a bandeira bolivariana.

ENTERRADA a criação da ALCA, as Cúpulas das Américas foram perdendo relevância, por falta de agenda significativa. Sem assunto melhor, voltaram à tona as velhas rivalidades, alimentadas em boa parte pelo complexo de inferioridade em relação aos EUA.

O PALAVRÓRIO da Cúpula celebrada na Colômbia confirma a pobreza do debate regional. A presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), mais uma vez, protestou, diante do presidente da República dos EUA, Barack Houssein Obama, contra a grande emissão de dinheiro pelos bancos centrais dos EUA e da Europa. Queixou-se, de novo, à pessoa errada. E quando a Imprensa lhe pediu um comentário sobre a mudança na política cambial chinesa anunciada naquele fim de semana, ela disse desconhecer o assunto. Não estava acompanhando, segundo explicou. Pelo visto, nem ela nem seus assessores e ministros de Estado, preocupados com o tradicional esporte latino-americano de mostrar a língua para os líderes políticos norte-americanos.

SEM uma agenda séria, a próxima Cúpula das Américas será outra inútil e constrangedora perda de tempo. A reunião de Cartagena só serviu para revelar a graça da secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton, como dançarina de rumba. Foi o que houve de mais interessante naquele encontro.