Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, novembro 10, 2009

Um imperativo de justiça

AO PROFERIR seu voto acatando a denúncia do então procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, contra o senador da República, Eduardo Brandão Azeredo (PSDB-MG) por apropriação de recursos públicos e lavagem de dinheiro, na sua frustrada tentativa de se reeleger governador do Estado de Minas Gerais em 1998, o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), foi coerente com o seu parecer pela abertura de processo no caso do mensalão - o esquema petista de compra do apoio de parlamentares a projetos de interesse do governo Luiz Inácio da Silva (2003-10), o delubliovalerioduto revelado em 2005. A operação, como se sabe, reproduziu em escala federal os métodos adotados em Minas Gerais pelo ardiloso publicitário e lobista Marcos Valério Fernandes de Souza para irrigar fraudulentamente a campanha eleitoral de Azeredo e de uma vintena de outros políticos - daí as expressões "valerioduto" e "valerioduto mineiro". Valério de Souza tomava empréstimos bancários e transferia os respectivos valores para a campanha. Depois, saldava as dívidas com recursos de empresas estatais teoricamente destinados ao patrocínio de eventos esportivos.

APENAS R$ 98 mil dos R$ 3,5 milhões recebidos dessas empresas foram efetivamente gastos na finalidade alegada. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), Azeredo cometeu sete vezes o delito de peculato e seis vezes o de lavagem de dinheiro. Nas palavras de Barbosa, a denúncia "narra conduta criminosa com conteúdo probatório mínimo para a aceitação do crime". Embora o ministro Antonio Dias Toffoli, recém-chegado àquela Corte, tenha pedido vistas do relatório - adiando não se sabe por quanto tempo a votação do seu texto de mais de 200 páginas e na contramão do apelo do colega à "celeridade" -, não se imagina com base em que argumentos os seus pares possam rejeitar a ação penal proposta. Além de Azeredo, cujo envolvimento na arrecadação ilegal de recursos cabe ao plenário do STF avaliar e julgar, por ter o senador da República o direito a foro privilegiado, 14 outros suspeitos serão julgados em tribunais de primeira instância. Toffoli alegou que desejava examinar melhor um documento - segundo ele, "o único que leva a uma vinculação material do acusado".

ELE refere-se à cópia de um recibo anexado aos autos do processo, no valor de R$ 4,5 milhões, que Azeredo teria passado à extinta agência SMP&B, de propriedade então de Marcos Valério. Para Azeredo, não só a sua assinatura teria sido falsificada, como o recibo nem sequer teria sido mencionado na peça do, então, procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. A autenticidade do papel pode ser contestada, mas a sua citação na denúncia está à vista de quem quer que a folheie - esvaziando a surpreendente insinuação de Azeredo de que Barbosa teria plantado o indício incriminador no seu relatório. O ministro, por sua vez, negou que isso era tudo o que tinha como prova contra o político, relativizou a própria importância do recibo e argumentou que a sua veracidade poderia ser discutida no curso do processo, em vez de obstar, ou retardar, a sua instalação. Ao que tudo indica, a defesa do senador tentou criar um incidente processual para contrapor aos "indícios robustos" contra o seu cliente, apontados por Barbosa. Ainda mais revelador das aflições de Azeredo foi o seu protesto, numa entrevista, contra o que seriam "dois pesos e duas medidas".

AZEREDO simplesmente reivindicou isonomia com o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP). Se este, no caso do mensalão (2004-05), "alegou que não sabia e foi inocentado", o mesmo deveria se aplicar a ele, no caso do valerioduto mineiro (1998). "A situação é basicamente muito semelhante", comparou. "Eu era governador, uma campanha descentralizada, com delegação de poderes, e o presidente Luiz Inácio da Silva também concorreu em situação semelhante e não recebeu nenhum inquérito a esse respeito". Não "recebeu" - e disso Azeredo deve saber muito bem - porque como presidente do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), naquela época da tramitação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar as irregularidades de contratos celebrados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e que, também, apurou o mensalão empreendido pelo delubiovalerioduto junto à base parlamentar de sustentação ao governo Luiz Inácio da Silva no Congresso Nacional, talvez por ter o rabo preso, nada fez quando o publicitário e marqueteiro do “Lulinha Paz & Amor”, Duda Mendonça revelou àquela CPMI, em Agosto de 2005, que foi remunerado com dinheiro de caixa 2, mediante depósitos em contas secretas no exterior, pelos serviços prestados à campanha de presidencial petista em 2002.

DE TODO modo, o ponto, é outro. O histórico do valerioduto mineiro compilado pelo, então, procurador-geral da República pulveriza a hipótese de que Azeredo pudesse ignorar a origem da dinheirama que sustentava a sua tentativa de se reeleger. Sem falar que, pela lei, o candidato é sempre o responsável último pelas finanças de sua campanha. O processo contra Azeredo, em suma, é um imperativo de justiça.