Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, setembro 10, 2011

A esquizofrenia do petismo

ESTE (lobo) conclamado "controle social" da mídia desejado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), agora disfarçado sob a pele de cordeiro da "democratização" das comunicações, poderá ser um assunto encerrado no governo, graças à postura firme da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), que já em seu discurso de posse, em 1º de Janeiro último, sinalizou uma reviravolta de 180 graus na senda ameaçadora da liberdade de Imprensa pela qual havia enveredado o governo anterior.

MUITO embora o presidente do partido tenha apresentado como resultado do 4.º Congresso do PT "uma resolução política de fôlego que traça perspectivas para o PT e para o nosso governo nos próximos anos", o governo Rousseff deixou claro que não é bem assim. O ministro de Estado das Comunicações, Paulo Bernardo (PT-PR), foi categórico em entrevista à nossa reportagem "É importante separar a posição do partido da posição do governo. O PT tem suas posições e o governo tem um programa". Mais claro, impossível.

TÃO logo após o encerramento do congresso petista, fontes do governo Rousseff empenharam-se em confirmar aquilo que os dirigentes do PT fingiam não saber: dona Rousseff não quer nem ouvir falar de projetos que sugiram o controle - censura, em português claro - da Imprensa. Ela tem reiterado que o único controle que admite é o controle remoto do aparelho de TV.

CONCRETAMENTE, isso significa que o projeto do marco regulatório das comunicações apresentado com estardalhaço pelo governo Luiz Inácio da Silva (2003-10), depois da realização de uma festiva Conferência Nacional de Comunicação (Confecon) em 2010, está sendo revisto pelo Ministério das Comunicações. Garantem fontes do governo Rousseff que o ministro Bernardo recebeu recomendação expressa da chefe de governo para tomar cuidado com as "cascas de banana", os contrabandos antidemocráticos inseridos no projeto pelos radicais que desfrutavam da simpatia e da proteção do ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, o jornalista Franklin Martins, um dos principais ideólogos do "controle social" da mídia.

UMA das preocupações do governo em relação à necessária modernização do marco regulatório das comunicações - questão que nada tem a ver com "controle social" da mídia - é acabar com a deliberada confusão que os petistas promovem entre as duas coisas.

POR essa razão dona Rousseff transferiu a responsabilidade de cuidar do assunto da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, onde o projeto tinha um tratamento marcadamente político, para o Ministério das Comunicações, onde agora são as questões técnicas que ganham prioridade, embora muitas delas tenham conotações políticas, como, por exemplo, a questão da propriedade cruzada dos meios de comunicação. "Estamos fazendo a revisão do texto", esclareceu Bernardo, "e a ideia é discutir com outros ministros. Acho que, antes de mandar ao Congresso, devemos submetê-lo (o texto) à consulta pública para deixar, entre aspas, o pau quebrar. Fazer o projeto de afogadilho pode nos levar a erros e aí a discussão ficará ainda mais apaixonada".

LOUVÁVEL a intenção do ministro Bernardo. Afinal, a "ampla discussão pública" do assunto propalada no governo Luiz Inácio da Silva, quando houve, foi limitada pelo dirigismo ideológico. E a missão do ministro Bernardo é retirar do anteprojeto os seus vícios ideológicos. Por exemplo, assinalou ele, havia um ponto que colocava a liberdade de Imprensa na linha de tiro. Tratava-se da criação de duas agências setoriais: "Uma para as telecomunicações e outra para fazer a regulação, por exemplo, do conteúdo de produção nacional. (...) Estamos achando dificuldade em separar as funções. A tendência, agora, é que seja uma única agência. Mas o projeto não trata de jornal nem revista ou internet. Trata de TV e rádio. O marco regulatório diz respeito à comunicação eletrônica". Agora, está claro.

ESTA manifestação do ministro Bernardo merece apenas um reparo importante. "Assim como a mídia pode criticar o PT, o PT pode criticar a mídia", afirmou - o que é, certamente, um direito líquido e certo das partes. Mas o PT, convenhamos, não faz críticas. Vai muito além. O PT faz claras ameaças à mídia. Menos mal que a presidente Rousseff sabe separar "a posição do partido da posição do governo".

O FATO é que 4.º Congresso do PT acabou cedendo à firmeza com que a presidente Rousseff, contrariando seu antecessor, tem repudiado a ideia de "controle social" da mídia, e rebaixou de "diretriz" partidária para mera "moção" convocatória o texto que agora é a posição oficial do partido a respeito do assunto. Ficou então combinado que não se fala mais em "controle social" da mídia, expressão politicamente inconveniente porque indissociável da ideia de censura, e os petistas passam a lutar pela "democratização" da Imprensa.

A NOVA palavra de ordem não quer dizer absolutamente nada - e até por isso é tão perigosa para a liberdade de Imprensa quanto a anterior -, mas satisfaz as duas tendências que, dentro do PT, não se conformam com a liberdade que os veículos de comunicação têm para denunciar as bandalheiras da companheirada no governo. São elas a ala minoritária, ideológica, de esquerda radical e totalitária, e por isso contrária por definição à liberdade de Imprensa; e a ala majoritária, populista, pragmática, que sob o comando de Luiz Inácio da Silva manda de fato no partido e está exclusivamente preocupada em se perpetuar no poder, e por isso tem horror a ver suas lambanças estampadas na mídia.

O PT já não é mais o mesmo desde 2002, quando foi editada a Carta aos brasileiros, que pavimentou o caminho de Luiz Inácio da Silva em direção à Presidência da República. Desde então, passou a dar por não dito tudo o que afirmara antes e colocou seu destino nas mãos habilidosas do grande manipulador das massas. Eleitoralmente deu certo. Mas é conveniente salvar as aparências. Assim, o lullopetismo aliou-se às principais lideranças políticas, financeiras, industriais, comerciais, da alta sociedade, etc., mas continua atacando as elites. Meteu a mão na massa para garantir a "governabilidade", mas sustenta que o governo Luiz Inácio da Silva se notabilizou pelo "combate implacável" à corrupção. Está fazendo o que pode, e bem, nas áreas econômica e social - se não forem levadas em conta as graves deficiências na Educação e na Saúde-, mas escancara a incompetência da máquina governamental partidariamente loteada para gerenciar projetos de infraestrutura.

É A divulgação pela mídia dessas ambiguidades e contradições, e das muitas pilhagens do dinheiro público que não param de vir à luz, que incomoda terrivelmente os petistas, fisiológicos ou ideológicos. Daí a obsessão com o controle social - perdão, com a "democratização" dos meios de comunicação.

O PT promove deliberada confusão entre os conceitos de marco regulatório e controle social das comunicações. O marco regulatório é um conjunto de disposições legais que disciplinam as atividades em áreas que dependem de concessão estatal, como a radiodifusão e a telecomunicação. O "controle social" é conceito em que está implícita não apenas a regulação da propriedade e do funcionamento, digamos, técnico, dos instrumentos de comunicação, mas sobretudo dos conteúdos veiculados. É pacífica a necessidade da modernização do marco regulatório das comunicações no País, defasado em relação aos avanços tecnológicos das últimas décadas. Mas a questão dos conteúdos diz respeito à liberdade de expressão e ao direito à informação, fundamentos de uma sociedade democrática e, nessa medida, intocáveis. Mas é claro, e fica mais uma vez evidenciado pelas conclusões de seu 4.º Congresso, que não é assim que pensa o PT.

UMA ideia mais clara da maneira peculiar como os petistas entendem o que seja liberdade de imprensa está explicitada nas declarações do presidente do partido, o ex-jornalista Ruy Falcão, em entrevista concedida durante o congresso. Visivelmente irritado com a insistência das perguntas sobre o assunto, Falcão foi particularmente infeliz: "Estou dizendo quinhentas vezes: não vamos controlar conteúdo, somos contra censura, contra versão única de fatos. E defendemos a livre expressão de pensamento, inclusive para que vocês possam claramente fazer as suas matérias sem qualquer tipo de injunção empresarial". Para Falcão, portanto, os jornalistas, principalmente quando estamos fazendo denúncias ou expondo fatos que não interessam ao governo, estamos a serviço de interesses vis. Felizmente, o exercício do bom jornalismo não depende das garantias dadas pelo líder petista.