Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, fevereiro 05, 2012

Pensata infeliz

XANGRILÁ(RS) – E JUSTAMENTE em sua primeira visita a Ilha dos irmãos Castro, Cuba, a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), foi traída pelo passado. Não se esperava que abordasse o tema dos direitos humanos em público. Mas decidiu fazê-lo, numa cerimônia no Memorial José Martí, e cometeu o grave erro de tentar relativizar os fartos e conhecidos crimes cubanos nesta área, incluindo numa infeliz pensata os delitos cometidos pelo governo norte-americano na base militar em Guantánamo, em Cuba, uma nódoa, de fato, na História dos Estados Unidos da América (EUA). Mas misturou coisas diferentes, na visível tentativa de, como é praxe em parte da velha esquerda, passar a mão na cabeça dos irmãos Castro. Dona Rousseff pontificou que não se deve usar direitos humanos como arma política. De fato, mas, dito isto, incorreu neste mesmo erro.


LOGO no início da viagem oficial, ali, transformou-se em decepção a esperança que dissidentes tinham de que dona Rousseff não repetiria a desastrada passagem de seu antecessor por aquela ilha, no mesmo dia da morte de Orlando Zapata, um dos presos político, refém do regime dos irmãos Fidel e Raul Castro, em greve de fome. De volta ao Brasil, comparou-os a prisioneiros comuns. O fato de o governo do Brasil ter concedido visto à dissidente blogueira Yoani Sánchez, para ela vir ao País ao lançamento de um filme sobre a resistência em Cuba, alimentou as expectativas otimistas. Não que dona Rousseff fosse discursar a favor dos cubanos perseguidos. Mas o silêncio em público poderia até levar a supor que o tema seria tratado em contatos privados. “Ela agiu como Luiz Inácio da Silva (PT-SP) e não se interessou pelo povo cubano”, desabafou Berta Soler, porta-voz das “Damas de Branco”, grupo formado por mulheres e familiares em geral de presos políticos. Foi mais forte, infelizmente o cacoete ideológico da esquerda radical tupiniquim do final da década de 1960 e início dos anos 1970. Vem deste grupo, marcado pela luta armada apoiada por Cuba, a paixão cega da juventude pelo castrismo. Não importa para eles que a ilha seja, ao lado da Coreia do Norte, o último bolsão de stalinismo medieval, quase um pleonasmo.


TAMBÉM, contaminado por antiamericanismo atávico, o cacoete levou a presidente da República a tentar equiparar um regime brutal com uma das mais sólidas democracias do mundo, que carrega, é verdade, a mancha da base militar de Guantánamo. É risível, porém, tentar colocar no mesmo verbete uma ditadura de mais de meio século, com inúmeros crimes cometidos contra os direitos humanos (fuzilamentos, greves de fome e mortes, perseguições, etc) no currículo.


ESTE País como nação e Estado pode e deve ajudar Cuba na transição para um regime mais arejado. Com a ascensão de Raúl Castro, no declínio físico do irmão, Fidel, ocorrem tentativas de alguma liberação na economia, mas ainda aquém do necessário a que alguns ingredientes do livre mercado possa aumentar a produção de alimentos, para livrar os cubanos de um já histórico racionamento. Investimentos como os em curso na infraestrutura cubana, com apoio financeiro e tecnológico brasileiro, são ações também bem-vindas.


CONTUDO de nada adianta fingir que Cuba não continua a ser uma ditadura violenta. A relativização na leitura da História é sempre perigosa. Por meio dela termina-se até “entendendo” por que Adolph Hitler fez o que fez com judeus, ciganos, homossexuais e artistas.


MAS pelo palavrório com que dona Rousseff tentou justificar em Havana o seu silêncio em face da política repressiva do regime dos irmãos Castro.

É FATO que dona Rousseff foi a Cuba, em sua primeira visita de Estado àquela ilha, para promover os interesses econômicos brasileiros. Por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo do Brasil banca 70% do mais ambicioso empreendimento privado ali em curso - a transformação do Porto de Mariel em um dos maiores portos da América Latina (AL), ao custo aproximado de US$ 1 bilhão. A obra é tocada pela construtora brasileira Odebrecht. O Brasil, apenas o quarto parceiro comercial de Cuba, só tem a ganhar com a ampliação da sua presença econômica na ilha, a exemplo do que fizeram, sobretudo no setor de turismo, os governos da Espanha e do Canadá. Ganhará tanto mais - e esse deve ser o raciocínio estratégico de Brasília (DF) - se e quando se normalizarem as relações entre o governo de Cuba e o governo dos EUA. Trata-se de estar desde logo ali onde a concorrência virá com tudo.

E NESSE quadro, não se deveria esperar que a presidente da República usasse a mesma mão com que assinou, metaforicamente, os cheques do novo espaço que o empresariado brasileiro ambiciona ocupar em Cuba para investir de dedo em riste contra os seus anfitriões. Nos últimos dois anos, o ditador Raúl Castro iniciou um programa de abertura econômica que, embora tropeçando na pachanga local, pretende ser uma versão caribenha do modelo chinês: economia de mercado com mordaça política.

A PROPÓSITO, desde que a China se abriu ao comércio bilateral, a nenhum chefe de governo brasileiro ocorreu condenar as suas políticas liberticidas - e a nenhum comentarista ocorreu condená-lo por isso.

TAMBÉM, é descabida a evocação da visita ao Brasil, sob a ditadura militar, do então presidente da República dos EUA, Jimmy Carter - que não só fez chegar ao homólogo General Ernesto Geisel seu protesto pelo que se passava nos porões do regime ditatorial brasileiro nos anos 1970, como ainda recebeu um dos maiores defensores dos direitos humanos no País, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. É verdade que militantes como dona Wana Rousseff, que sentiram literalmente na carne o que era se opor aos generais, devem ter se regozijado com a iniciativa de Carter. Logo, ela deveria imitá-lo em Havana. Lembre-se, no entanto, que o que trouxe Carter ao Brasil foi o contencioso desencadeado pelo acordo nuclear do Brasil com a Alemanha, tido em Washington (EUA) como o atalho aberto pelos militares brasileiros para chegar à tecnologia da bomba atômica. Sem falar nas pressões das entidades norte-americanas de direitos humanos pela condenação ao governo do Brasil - o que inexiste aqui em relação ao governo de Cuba.

CRITICO a presidente da República não pelo que calou, mas pelo que falou. Exprimir-se, como se sabe, é uma peleja para a presidente Rousseff - talvez por isso seja tão avara com as palavras em público. (Os especialistas dizem que quem não fala bem não pensa bem, mas esse, quem sabe, é outro assunto.) Perguntada pelos colegas jornalistas que a acompanhavam na viagem, sobre direitos humanos em Cuba, dona Rousseff desandou. Poderia ter respondido protocolarmente que, dada a sua condição de chefe de Estado visitante, não poderia se manifestar sobre questões internas do país anfitrião, como seria inadmissível que um hóspede oficial do governo brasileiro fizesse algo do gênero em relação ao País - e ponto final. Em vez disso, saiu-se com um bestialógico sobre o "telhado de vidro" sob o qual estaria o mundo inteiro, democracias e ditaduras, nessa matéria.

E AINDA na linha da "primeira pedra", disparou incongruentemente um torpedo contra os EUA, pela "base aqui que se chama Guantánamo". À parte a trôpega retórica, ao se referir à instalação norte-americana em Cuba, onde 171 acusados de terrorismo mofam sem direito a julgamento, a incontinência verbal levou dona Rousseff a virar contra si a "arma de combate político-ideológico" que, segundo ela - neste caso com razão - não deve predominar no debate sobre direitos humanos seja onde for. Resta ver, na hipótese de lhe perguntarem sobre Guantánamo na visita que um dia fizer aos EUA, em retribuição à visita do presidente da República dos EUA, Barack Houssein Obama, se ela falará dos presos políticos cubanos.