Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, julho 13, 2006

Falência nacional

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE

As proeminentes lideranças nacionais do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que governou o País durante oito anos, parecem ser aves políticas migratórias, que têm sempre a mania de estar em solo estrangeiro nos momentos mais difíceis pelos quais passam seus concidadãos.

Na primeira onda de violência em São Paulo, em Maio último, estavam todos em Nova York.

Madrugada da última Quarta-feira, 13, assistimos a mais uma onda de ataques do crime organizado em São Paulo; e onde estavam o candidato majoritário da Oposição, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), e o presidente do partido, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE)? Na Europa, numa viagem totalmente extemporânea, cuja única finalidade é ter imagens do candidato com personalidades internacionais para tentar se contrapor, nos programas eleitorais de Rádio e TV, ao vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva (PT-SP), que este fim de semana terá reunião com gente muito mais influente, os integrantes do G-8, na Rússia.

Fora essa coincidência incômoda, não é possível culpar unicamente a administração do ex-governador Geraldo Alckmin (2001-6) pela crise de segurança pública em São Paulo, a não ser pela “esperteza” eleitoreira de ter anunciado o fim da maior facção criminosa daquele estado quando o combate ao crime organizado exige tempo, dinheiro e luta permanente e, vê-se hoje, estava apenas começando.

Por essa “esperteza” Alckmin tem sido penalizado nas últimas pesquisas de intenção de voto, já vendo reduzida a sua larga vantagem sobre o presidente-candidato em São Paulo.

Mas a falência é nacional. O Sistema Único de Segurança Pública é excepcional no papel, porém, mostrou-se inexistente na prática e a ajuda da suposta Guarda Nacional, que o vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-6) insiste em oferecer como se não tivesse nenhuma intenção eleitoral, não passa de uma solução farsesca, pelo menos no caso atual em São Paulo.

O governador do Estado de São Paulo Claudio Lembo (PFL-SP), no cargo há pouco mais de três meses, que entrou em parafuso nos momentos iniciais da crise em Maio, parece ter recuperado a capacidade analítica requintada que sempre demonstrou. Não é simples teimosia a recusa da ajuda do governo federal em termos de policiais, pois já aceitou a ajuda da equipe de inteligência do Departamento de Polícia Federal (DPF), numa iniciativa de cooperação do Ministério da Justiça. É um misto de sensibilidade política com raciocínio lógico: se São Paulo tem a maior, mais bem aparelhada e treinada polícia deste País e mesmo assim está sendo impotente diante de atos de terrorismo, que diferença farão mais 500 ou mil homens da chamada Guarda Nacional, que existe mais de fachada do que propriamente de fato?

Os 7 mil policiais da Guarda Nacional são arregimentados em vários pontos do País, sem treinamento conjunto nem conhecimento do terreno. Podem fazer diferença no Estado do Espírito Santo ou no Estado do Mato Grosso do Sul, mas não mudarão o panorama em São Paulo, onde o que acontece é uma guerra terrorista que precisa de um projeto de inteligência de segurança pública, que não foi organizado ainda.

E mesmo que se critique a administração de Alckmin pela empáfia com que brandiu estatísticas que refletiam uma vitória teórica das forças de segurança sobre o banditismo que se revelou na prática pífia, não é possível negar que existe nesses ataques dos últimos meses um cunho político que tem que ser repudiado por todo cidadão de bem.

Não bastassem as gravações já reveladas mostrando que o grupo que controla o crime organizado em São Paulo quer desmoralizar a administração do PSDB naquele estado, há a coincidência de que os ataques começaram logo depois que o ex-governador Geraldo Alckmin deixou o cargo para se candidatar à Presidência da República.

Isso não quer dizer que os bandidos trabalhem em favor de um partido político, mas não é possível tirar dessa crise trágica a idéia de que evidencia a incapacidade administrativa (na área de segurança pública) do candidato Alckmin, quando governador, cuja gestão eficiente foi comprovada em diversos outros setores do governo e aprovada pela população paulista.

A crise mostra, isso sim, que a facção criminosa, que domina dezenas de presídios de segurança máxima em São Paulo, é muito mais organizada do que se imaginava (e essa é uma falha terrível do sistema de inteligência da polícia paulista) e tem condições de desestabilizar um governo, para receber em troca tratamento mais “humano” ou obter regalias para seus líderes.

Não é aceitável que disputas políticas transformem bandidos em mocinhos, mesmo que as autoridades estaduais tenham sido levianas ao anunciar vitórias que jamais se concretizaram.

Se a questão for politizada dessa maneira, acabaremos com parte da população apoiando os métodos cada vez mais violentos de repressão policial, cujo principal representante no governo paulista é o secretário de Estado da Segurança Pública, Saulo Queiroz, que no passado chegou a ser cogitado como candidato à sucessão de Alckmin, ironicamente pela suposta capacidade de pôr “ordem na casa”.

Não é possível, porém, afirmar que o ex-governador Alckmin escolheu o caminho errado para a segurança pública, privilegiando a força em detrimento da inteligência. Sem o repasse de verbas e as cadeias de segurança máxima que o governo do vosso presidente Luiz Inácio da Silva ainda não construiu, a crise do sistema prisional paulista, como a de todo o País, já explodiu em diversas ocasiões (lembram do Carandiru?... lembram Bangu 1?) e continuará a explodir, seja onde for, seja qual for o governo.

Levantamento da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados revelou que São Paulo tem 125.804 presos, metade dos presos nacionais, e um déficit de 32.775 vagas no sistema prisional.

No País todo, o déficit é de 76.508 vagas, o que gera uma situação de barbárie em todos os recantos do Brasil, barbárie que pode ser resumida naquela foto brutal do presídio destruído em Araraquara (SP), com os presos amontoados como animais.

Mas é ingenuidade achar que o crime não está em condições manipular imagens e fragilidades do sistema prisional para chantagear autoridades, até destruindo prisões para pôr em xeque o Estado.

Todos nós estamos perdendo essa guerra, e só com um programa nacional de combate ao crime, permanente e que não esteja sujeito a contingências orçamentárias, poderemos ganhá-la.
Quem for eleito não terá um governo vitorioso se vencer explorando politicamente essa tragédia e, mais do que isso, se não se dispuser a enfrentar o problema como questão de segurança nacional!