Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, junho 11, 2006


Especulações e frustrações
em "O Código Da Vinci"

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE

Expectativa pode ser algo muito perigoso. Quando se cria tanto suspense em torno de um filme, como aconteceu com “O Código Da Vinci” , é muito difícil entrar na sala de Cinema e se despir de expectativas. Uma campanha de marketing colossal, a promessa de revelação de um conteúdo religioso bombástico, milhares de ingressos vendidos com antecedência, tudo isso gera uma certa ansiedade. A grande armadilha dessa espera é que quanto maior a projeção e a pretensão, maior o risco de frustração se as coisas não saírem como o aguardado. No caso do filme de Ron Howard, a alta aposta não se pagou.

Como se não bastasse o alarde criado pelo burburinho da mídia, há um agravante para os leitores do best seller de Dan Brown. Da mesma maneira que costuma acontecer com adaptações, quem já leu o original cultiva uma curiosidade em descobrir como aquela determinada história vai ser traduzida para a tela mágica do Cinema. E não foi pouca gente que leu “O Código Da Vinci”.

O impulso inevitável de comparar as duas obras e até uma cobrança (muitas vezes ingênua, mas freqüente) pela “fidelidade” ao texto faz com que existam duas apreciações diferentes do filme: a de quem leu o livro e a de quem não leu. Nesse caso, quem leu sai perdendo, e por diversos motivos: em primeiro lugar, em um filme onde o mistério é o grande trunfo, já entrar no na sala de Cinema sabendo certas respostas estraga metade da graça.

É bem verdade que o livro tem um quê de “cinematográfico” (muitas vezes, a impressão é de que estamos lendo um roteiro cinematográfico). A agilidade das cenas, até muitos cortes entre uma seqüência e outra já estão previstos na obra de Brown.

Só que o interessante do livro não é só seguir os passos de Langdon sendo perseguido mundo afora, mas poder embarcar em seu raciocínio enquanto decifra os códigos. É dessa procura que o espectador deseja participar, e é justamente esse prazer de resolver charadas “juntos” que o longa-metragem não oferece. O que difere a busca do Graal em um filme como “Indiana Jones” e “O Código Da Vinci” é que, enquanto no primeiro, o foco está na aventura da caçada, no último a caçada em si é puro pretexto para apresentar, de uma forma mais dinâmica, uma penca de teorias conspiratórias.

O "Código" de Dan Brown é o resultado de uma mistura de especulações sobre temas religiosos, caminhos dedutivos mirabolantes, divagações sobre história da arte, tudo isso embalado em um formato de thriller. O que aconteceu com o filme (seja por culpa do diretor Ron Howard por não saber transmitir, seja por culpa do material pouco adaptável) é que, na transposição para a tela do Cinema, foi justamente a “embalagem” que sobrou. O filme se defronta, então, com um impasse: por um lado, a faceta de ação de “O Código Da Vinci” é inverossímil. Por outro, as tentativas de traduzir visualmente a parte especulativa se resumem a sonolentas inserções explicativos, e flashbacks. O filme se perde no meio do caminho: não convence como aventura nem consegue trazer o sabor de mistério.

As atuações também acabam prejudicadas por toda essa hesitação entre uma história ágil de perseguição e tentativas fracassadas de revestir as cenas daquela resina intelectual presente no livro. De uma maneira geral, o elenco não convence: com exceção de Ian McKellen como o historiador Teabing e Paul Bettany como o monge Silas, os atores parecem meio perdidos, levando seus personagens mais a sério do que o filme ensaia propor.

E o que dizer sobre o barulho em torno das polêmicas revelações sobre a “verdadeira” origem do catolicismo? Justamente por não haver espaço para construir um raciocínio muito elaborado, com espaço para argumentação, as revelações do filme soam tão inofensivas como dizer que o “Superman” voa. Se o livro poderia até ser tomado como algo polêmico e incendiário, a versão de Howard não justifica todo o imbróglio religioso que tomou conta dos meios de comunicação nas últimas semanas.

Mais do que apenas um filme, “O Código da Vinci” virou o assunto cinematográfico do ano. A pergunta mais comum por estes dias ainda é “E aí, o que você achou?” ou “Você leu o livro?”. Então, ver a adaptação do livro de Dan Brown simboliza mais do que a espera por um grande filme, mas uma forma de não ficar por fora do tópico mais comentado do momento. Com suas ressalvas, é como ler uma reportagem sensacionalista de uma grande revista semanal, mesmo sabendo que ela não trata o assunto com a parcimônia necessária. Para falar bem ou mal, é preciso conhecer o material, e “O Código da Vinci” traz brechas de sobra para discussão.

O filme, funciona? Depende de qual lado o espectador esteja, entre aqueles que leram o livro ou não. Para os que estão entre os mais de 40 milhões de compradores (lembrar que cada livro deve ter pelo menos dois ou mais leitores) do best seller, a adaptação para o Cinema não passa do “prazer” de reconhecer na tela da Sétima Arte o enredo que já apreciaram enquanto literatura. Prazer incompleto, pois as mais de duas horas e meia de filme não trazem novos sabores para os já iniciados nem dá conta de satisfazer os fãs do livro de Brown, que saem com a sensação de que a história poderia tratar melhor alguns assuntos, chegando até desejar que a trama fosse maior.

Para quem resolveu apenas ver o filme, “O Código da Vinci” decepciona mais do que agrada, apesar de não ser o desastre pregado por grande parte da crítica. Os principais protagonistas, o talentoso Tom Hanks e a esforçada Audrey Tautou, são artistas que gozam de prestigio, mas suas atuações como o especialista em símbolos Robert Langdon e a criptógrafa Sophie Neveu certamente serão lembradas como deslizes em suas carreiras em Hollywood. Mais do que interpretações, Hanks e Tautou foram os encarregados de “carregar o piano”, melhor, serem os guias da gincana que “O Código Da Vinci” se tornou em sua visão cinematográfica. Mais livres, os grandes destaques acabaram indo para os “coadjuvantes”: os ingleses Ian McKellen (o Magneto da trilogia X-Men) e Paul Bettany (de “Uma Mente Brilhante” e “Dogville”), na pele do especialista no Santo Graal, Sr Leigh Teabing, e no fanático religioso Silas, respectivamente.

Uma das frases mais famosas da Cultura Pop vem do disco de Elvis Presley “50 million fans can be wrong?”, de 1959, que na tradução literal para o português significa “50 milhões de fãs podem estar errados?”. Implicitamente, esta é a estratégia que faz o filme ser o sucesso que é, independente de críticas, vaias no último Festival de Cinema de Cannes ou comentário negativo de quem já foi vê-lo numa sala de Cinema do bairro. Até mesmo do público que transformou o filme de Ron Howard na segunda maior abertura de bilheteria de todos os tempos.