Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, setembro 09, 2012

A patranha do Migué

RIO DE JANEIRO (RJ) - ALÉM de sua singular biografia, o temperamento e a capacidade de sedução do ex-presidente da República (2003-10), Luiz Inácio da Silva (PT-SP) -, que dele fazem um "encantador de serpentes", na avaliação do antecessor e adversário e ex-presidente (1995-2002), Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) - foram o passaporte que usou de caso pensado e a mais não poder em suas andanças pelo mundo antes, depois e, principalmente, durante seus oito anos de mandatário. Ele se tornou "o cara", no memorável elogio do presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Houssein Obama, ao apresentá-lo ao chefe do governo australiano no intervalo de uma reunião do Grupo dos 20 Países mais industrializados do mundo - o G-20 -, em Londres, em 2009. "Ele é o político mais popular do mundo", explicou ao seu interlocutor.



HÁ pouco, Luiz Inácio da Silva teve mais uma oportunidade para ligar o seu encantamento diante de um estrangeiro - o jornalista norte-americano Simon Romero, correspondente do jornal The New York Times (NYT) no País. Uma reportagem publicada no inicio deste Setembro, sob o título O ex-presidente do Brasil voltou à linha de frente, a propósito da retomada de sua "posição de combate" depois de um penoso tratamento contra o câncer na laringe diagnosticado em outubro, descreve como ele se acerca do entrevistador e lhe dá uns tapinhas no joelho para fazê-lo entender por que não pretende desacelerar: "A política é a minha paixão". Mas admitiu que "não é fácil saber como atuar no papel de ex-presidente".



MAS se ele foi eloquente, e quem sabe persuasivo, ao criticar a Europa pelo modo como trata a crise da dívida - argumentando que, se o governo da Alemanha tivesse resolvido o problema grego anos atrás, a situação não teria chegado aonde chegou - e, ainda, ao prever a reeleição da "minha candidata" Dilma Rousseff em 2014, a mágica parece não ter funcionado quando teve de enfrentar o inevitável tema do Mensalão. O único arrimo que encontrou para a sua declaração, repetida pela enésima vez, de que o escândalo simplesmente não existiu foi o trôpego raciocínio de que o Partido dos Trabalhadores (PT) não precisava comprar deputados federais para votar com o governo porque este já dispunha de maioria parlamentar graças às alianças políticas que tinha fechado.



PELO visto, o ex-presidente quer que os leitores do jornal NYT interessados em assuntos brasileiros, já não bastasse a opinião pública nacional, acreditem numa patranha. Duas a rigor. Primeiro, aquela de que tais alianças se formaram sem que dinheiro ilícito (ou a promessa de) mudasse de mãos. Segundo, aquela de que a paga original para caciques partidários como os líderes do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do então Partido Liberal (PL) tornou supérfluos novos desembolsos com recursos ilícitos, dessa vez distribuídos no varejo a políticos de diversas legendas, indicados pelo maquinista do trem pagador, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares (PT-GO). Na sua tentativa de tapar o sol com peneira, negando o óbvio que se esparrama pelas 50 mil páginas da ação penal 470, Luiz Inácio da Silva não disse - nem lhe foi perguntado - por que então falou em "erro" dos companheiros, considerou-se "traído" e pediu "perdão" aos brasileiros, antes de empunhar a teoria do "golpe das elites".



O EX-PRESIDENTE - de quem se pode dizer tudo, menos que seja bobo - fez, na entrevista, a apropriada expressão corporal de respeito absoluto às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso que, para ele, não existiu. "Quem for considerado culpado que seja punido, quem for declarado inocente seja absolvido", afirmou. A aparente platitude é a mais recente incursão de Luiz Inácio da Silva por aquilo que, ainda no seu primeiro mandato, a cientista política Luciana Fernandes Veiga, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), chamou a "quase-lógica" das suas manifestações. Afinal, como acatar uma Corte que apontasse e punisse os culpados por delitos que simplesmente não ocorreram?



O EX-PRESIDENTE que declara se curvar de antemão aos veredictos do STF não é evidentemente o mesmo que mostrou a sua verdadeira face quando se divulgou que tentara pressionar - ou chantagear - um dos ministros daquela Corte, Gilmar Mendes, para adiar para depois das próximas eleições municipais deste ano o julgamento do Mensalão. Para quem espera exercer a sua paixão pela política enquanto tiver forças para tal, Luiz Inácio da Silva receia ter de se haver até o fim com um resultado adverso no Supremo Tribunal Federal até o próximo mês de Outubro.