Entre a intenção e a (tímida) prática
BARRETOS (SP) – ENTÃO o governo
Dilma Rousseff (2011-14) teve um surto de lucidez e decidiu chamar a iniciativa
privada para cuidar de investimentos em rodovias e ferrovias, por meio de
concessões e de parcerias público-privadas, mas o ataque foi contido. Figuras
influentes no Palácio do Planalto defendem o modelo estatista para os próximos
contratos de modernização e expansão de aeroportos. Segundo essa proposta,
haverá um papel para a iniciativa privada, mas uma estatal, subsidiária da Empresa
de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), deverá ser majoritária nas
sociedades formadas para novos projetos aeroportuários. A tendência era
conhecida e a presidente Dilma Wana Rousseff (PT-RS) mostra-se disposta a
seguir essa orientação, segundo informou nem entrevista recente à reportagem do
Jornal Valor Econômico. A decepção
com o resultado das licitações dos aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos (SP)
e Brasília (DF) teria reforçado essa inclinação.
ANTES de qualquer decisão sobre o modelo a
ser adotado, o governo deveria estabelecer com clareza seu objetivo. Qual a
meta principal - a melhora dos serviços aeroportuários ou o controle, estatal
ou particular, dos empreendimentos? De um ponto de vista pragmático, o mais
correto é subordinar o modelo de associação ao propósito mais importante. O
governo precisa do setor privado para o investimento e, quase certamente, para
a administração dos aeroportos. Pelo menos a importância de atrair sócios
particulares é reconhecida, sem dificuldade aparente, no Palácio do Planalto.
Mas grupos privados, especialmente grupos sérios e competentes, estarão
dispostos a entrar num empreendimento desse tipo, tão custoso e complexo, como
minoritários? O próprio governo parece ter dúvidas quanto a esse ponto.
ALÉM do mais, a decepção com as licitações
anteriores está longe de ser um bom argumento a favor do abandono das
concessões no modelo tradicional. As autoridades esperavam, segundo se comentou
desde as licitações, a vitória de grupos com experiência na administração de
aeroportos grandes e muito importantes na rede internacional de transportes. Os
vencedores ficaram abaixo dessa expectativa, mas isso ocorreu, como foi
reconhecido em Brasília, porque os critérios para habilitação foram
relativamente brandos.
O RECONHECIMENTO desse fato poderia servir
para o governo aperfeiçoar as licitações, elevando os requisitos para
habilitação dos concorrentes. Seria essa a atitude racional e pragmática. Mas o
preconceito ideológico parece ter sufocado a racionalidade e o pragmatismo.
NA prática, repetiu-se um padrão observado
durante a maior parte dos dois mandatos presidenciais (2003-10) de Luiz Inácio
da Silva (PT-SP) e mantido, na maioria dos casos, na atual gestão. A tendência
à centralização nunca foi abandonada. Além disso, a atual presidente sempre se
opôs, quando ministra do governo anterior, à consolidação da autonomia
operacional das agências reguladoras. As consequências dessa política são
evidenciadas por graves problemas nos setores de energia e telecomunicações,
indiscutivelmente mal regulados.
O ANÚNCIO dos planos de concessões e de
parcerias no setor de transportes foi recebido, em geral, como sinal de
arejamento no centro do governo. A presidente Rousseff estaria superando
antigos limites ideológicos e valorizando mais amplamente a eficiência e o
pragmatismo. Essa interpretação pode ter sido correta em relação a dois
episódios - a definição da estratégia de investimentos em rodovias e ferrovias
e a revisão crítica da política da Petrobrás, depois da troca de comando na
empresa. Mas o impulso de inovação parece ter-se esgotado ou ter ficado
restrito a umas poucas áreas da administração federal.
A EXTENSÃO e o vigor da mudança ainda serão
testados várias vezes nos próximos tempos. O governo ainda terá de cumprir
várias etapas tecnicamente complexas para levar da intenção à prática os
programas de investimento em ferrovias e rodovias. Por enquanto, os órgãos federais
encarregados da elaboração e da avaliação de projetos têm-se mostrado
geralmente ineptos e sem compromisso com metas de eficiência e de qualidade.
ATÉ para transferir tarefas ao setor
privado o governo precisa de um mínimo de competência gerencial. Esse problema
a presidente Rousseff ainda terá de resolver.