Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, maio 26, 2010

Os ilusionistas

O ECONOMISTA Guido Mantega (PT-SP), ministro de Estado da Fazenda, anunciou um corte de mais R$ 10 bilhões nos gastos federais deste ano, nós na Imprensa noticiamos e muita gente acreditou. Antes de Mantega, o ministro de Estado do Planejamento Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo (PT-PR), havia falado em redução de despesas para moderar o ritmo de crescimento e conter as pressões inflacionárias. Mas era uma brincadeira de 1.º de Abril com mais de um mês de atraso. Não há corte nenhum. Há só um ajuste do gasto programado à nova estimativa de receita. É uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como explica o Ministério do Planejamento no Relatório de Avaliação do Segundo Bimestre.

COMPROVADA a arrecadação até o fim de abril, os técnicos fizeram uma nova projeção de receita para o ano. O cálculo foi baseado numa estimativa de crescimento econômico de 5,5% e de inflação também de 5,5%. O resultado foi uma redução de R$ 9,39 bilhões na receita primária esperada para 2010, excetuada a contribuição para o Regime Geral da Previdência e Seguridade Social. Descontada a transferência obrigatória a Estados e Municípios, sobram R$ 9,24 bilhões.

NA SEQUÊNCIA veio o ajuste exigido por Lei. Programou-se um corte de R$ 7,61 bilhões nas despesas discricionárias. Uma redução adicional (e meramente contábil) de R$ 2,43 bilhões foi obtida com a reestimativa dos gastos obrigatórios, excetuados os benefícios previdenciários. Está aí a diminuição de R$ 10 bilhões prometida pelo ministro Mantega.

DE FATO não havia nada de sério naquela promessa de seriedade. Na semana passada, até os críticos do governo tomaram como boa a declaração dos ministros da área econômica do lullismo a respeito da contenção de gastos. Vários economistas e analistas sérios julgaram insuficiente o congelamento de R$ 10 bilhões, mas ninguém pôs em dúvida a palavra das autoridades em Brasília (DF). Parte-se do pressuposto de que o governo não se arrisca a perder a própria confiabilidade.

PORÉM esse não é todo o problema. Por que o governo elevou sua estimativa de crescimento de 5,2% para 5,5%, apenas, quando a maioria das projeções do setor privado indica uma expansão na faixa entre 6% e 7%?

MANTEGA deve ter-se esquecido de contar sua nova história ao secretário da Receita Federal do Brasil, Otacílio Cartaxo. O secretário anunciou há poucos dias que a arrecadação do mês passado foi de R$ 70,9 bilhões, 16,7% maior que a de um ano antes e a mais alta para um mês de Abril. Além disso, ele prognosticou uma sequência de recordes.

A ARRECADAÇÃO de R$ 259,2 bilhões no quadrimestre - também um recorde - resultou, segundo Cartaxo, da elevação dos salários e do consumo, da elevação da lucratividade das empresas e também da inflação mais acelerada.

E NUM cenário considerado pelo pessoal da Receita Federal, disse Cartaxo, a economia crescerá 6% em 2010, impulsionando a arrecadação. Em sua fala otimista, ele chegou a propor um aumento da meta de superávit primário, fixada em 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas não compete à Receita Federal, ressalvou, analisar a política fiscal.

COM essa ressalva Cartaxo demonstrou disciplina funcional, mas não desmentiu sua visão otimista do crescimento econômico e da arrecadação. Essa visão coincide com boa parte das projeções de especialistas independentes e é compatível com a linguagem usada há poucos dias pelo ministro da Fazenda.

O GOVERNO, disse na semana passada Mantega, agiria para evitar um crescimento superior a 7%. Esse risco, segundo o novo relatório de avaliação bimestral, parece ter sido logo descartado pelas autoridades econômicas.

AINDA, há poucos dias, Mantega disse haver recebido do vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), o aval necessário a uma contenção de gastos. A informação parecia fazer sentido: a economia ainda cresceria de forma satisfatória e o governo poderia mostrar ao público uma novidade - um ajuste fiscal para conter a inflação.

MAS essa história parece agora estranha. Mantega não precisaria de aprovação para um mero acerto periódico exigido pela LRF. Outra versão é muito mais crível: a cúpula do governo decidiu continuar gastando - porque a receita continuará crescendo - e nada fazer para limitar a expansão da economia num ano de eleição.

E A AUTORIDADE monetária nacional, o Banco Central do Brasil (BC), continuará sozinho no combate à praga da inflação. Nesse momento revigorada com sucessivos repiques.