Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, setembro 11, 2012

Tutti quanti bona gente?

HÁ DE se tirar algum proveito, pois, não é todo dia que os brasileiros que ainda não perderam inteiramente o interesse pela política têm a oportunidade de encontrar no noticiário um manual, claro como o sol, do funcionamento do sistema que entrelaça autoridades, parlamentares, candidatos e empresários em torno dos recursos - em todos os sentidos do termo - que o Estado, e ninguém mais do que este, pode proporcionar a tutti quanti. O melhor do manual é a descrição dos passos essenciais dessa ciranda, que se complementam admiravelmente. Em um dos movimentos, o político de alguma forma associado a um grupo de homens de negócio, ou que lhe deve favores, procura um órgão oficial para conseguir que sejam beneficiados numa determinada parceria da administração pública com agentes privados. No outro volteio, por iniciativa própria ou a pedido, a autoridade procura empresários do setor que comanda do outro lado do balcão para que contribuam para a campanha de um candidato.



E TODOS os envolvidos têm algo a ganhar e algo a temer. A autoridade receia cair futuramente em desgraça se não carrear dinheiro alheio para os cofres da tal candidatura. Carreando, espera, se ela vingar, que os seus esforços venham a ser devidamente reconhecidos. O mesmo se dá com os donos do dinheiro: recusando-se a contribuir, serão rotulados de ingratos - porque, afinal, já foram premiados em transações com a área pública -, prenúncio, a seu ver, de dificuldades até então não enfrentadas por suas empresas; fazendo a parte que lhes toca, é como se fizessem um investimento de risco mínimo e alto retorno.



COM os políticos, a dialética dessa modalidade de custo-benefício é ainda mais evidente. Tendo sido eleitos com a mão em geral invisível do poder econômico, seria irracional do ponto de vista de suas ambições deixar de retribuir os favores recebidos. Fernando Henrique Cardoso, PhD em Ciências Sociais pela Universidade de Paris I – Sorbonne, cunhou a expressão "anéis burocráticos" para retratar esses enlaces de recíproca conveniência à sombra do Estado e às expensas do contribuinte. Mas pode-se chamá-los simplesmente "toma lá dá cá".



DOIS casos de livro didático vieram à luz em reportagens publicadas no início deste Setembro primaveril. Um deles, nas citações do depoimento do ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) Luiz Antonio Pagot (PR-GO) à CPMI do Cachoeira, no Congresso Nacional. O apadrinhado do rei da soja e senador Blairo Maggi (PR-GO) deixou a função em Julho de 2011, ao ser alcançado pela faxina da presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), nos altos escalões de seu governo. Ele contou ter arrecadado cerca de R$ 6 milhões em doações legais de mais de 30 empresas detentoras de contratos com o Dnit para a candidatura presidencial de Rousseff em 2010. Teria também intermediado financiamentos para as campanhas de aliados do Partido dos Trabalhadores (PT) aos governos dos Estados de Santa Catarina e Minas Gerais, ou seja, beneficiando respectivamente as candidaturas derrotadas da atual ministra de Estado das Relações Institucionais, Ideli Salvatti (PT-SC), e do então senador da República e ex-ministro de Estado das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG). Os dois negam e Pagot confirma. Quem o procurou para ajudar dona Roussef foi o tesoureiro daquela campanha, o deputado federal José de Filippi (PT-SP). Ele o orientou para deixar de lado as grandes empreiteiras, das quais outros se ocupariam, e se concentrasse nas de menor porte.



ESTAS confissões de Pagot, além de tirar da catalepsia a CPMI que apura o esquema do contraventor goiano Carlinhos Cachoeira, nacionalizando o seu alcance até então concentrado no Centro-Oeste, parecem justificar o cínico dito de que, na política, deve prevalecer a presunção de culpa, salvo prova em contrário. Isso se aplica, evidentemente, ao deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) - o outro personagem da hora. Reportagem do Jornal O Estado de S. Paulo (o Estadão) revelou que o candidato a presidente da Câmara dos Deputados em 2013 fez lobby no Tribunal de Contas da União (TCU) para que o Consórcio Rodovia Capixaba ganhe a concessão por 25 anos da BR-101 entre os Estados do Espírito Santo e da Bahia - um contrato da ordem de R$ 7 bilhões. "Fiz um favor pessoal a um empresário meu amigo", alega o parlamentar, como se a gentileza não configurasse tráfico de influência. O TCU, afinal, é um órgão do Poder Legislativo. Na realidade, é pior: o consórcio cujos interesses foram abraçados por Alves é ligado a um grupo do qual ele é sócio no controle da TV Cabugi de Natal. Pagot, um tanto tardiamente, pelo menos admitiu durante seu depoimento na CPMI ter sido "antiético".