Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, outubro 30, 2012

Padrão essencial

DIANTE dos lenientes padrões penais neste grande e bobo País, no caso dos chamados crimes de colarinho branco, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de condenar o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o operador do Mensalão, a um total de 40 anos, 1 mês e 6 dias de prisão e ao pagamento de multas que somam, em valores não corrigidos, R$ 2,783 milhões, chama a atenção por seu caráter literalmente excepcional. Mas não deveria surpreender. Em primeiro lugar, porque - sempre por unanimidade - Valério havia sido condenado três vezes por corrupção ativa, duas vezes por peculato, uma vez por lavagem de dinheiro e uma vez por evasão de divisas. Foi ainda condenado, dessa vez por 6 votos a 4 - por formação de quadrilha (ao lado de nove outros acusados, entre eles o trio petista Zé Dirceu, Zé Genoino e Delúbio Soares). Não é pouca coisa.



DEPOIS, as penas são compatíveis com a enormidade dos delitos cometidos. A cada rodada do julgamento, não só o relator da Ação Penal 470, o ministro Joaquim Barbosa, como o ministro Carlos Ayres Britto, presidente daquela Corte, o decano ministro Celso de Mello e seus pares, ministra Cármen Lúcia e ministro Marco Aurélio Mello revezaram-se em expor o que a singularidade do Mensalão representou em termos de agressão à sociedade, à ordem republicana, ao Estado Democrático de Direito e à Constituição Federal do Brasil (CFB) que os consagra. O plenário do STF, no entender de quase todos os seus integrantes, não se pronunciava apenas sobre o "conjunto probatório" que levaria à condenação por ilícitos diversos 25 dos 37 réus do processo penal. Os fatos falavam também, de forma ainda mais ensurdecedora, da fria determinação dos seus principais protagonistas de corromper o sistema político nacional, em escala sem precedentes, para promover a perpetuação do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder. Impossível deixar de ouvi-los e tirar as consequências inexoráveis na esfera judicial.



ADEMAIS, dando a medida do cuidado daquela Corte em deixar claro perante a opinião pública que as penas aplicadas não constituíam uma extravagância jurídica nem um transbordamento punitivo, ministros do STF procuraram explicar com argumentos o quanto possível ao alcance do público leigo por que estavam condenando o empresário mineiro a tanto ou quanto tempo de cadeia, conforme a natureza dos seus ilícitos e as prescrições do Código Penal Brasileiro (CPB). Independentemente disso, as penas por corrupção ativa a que foi sentenciado o provedor do Mensalão ainda poderão ser modificadas se o plenário do STF entender que, no caso dos seus contratos com a Câmara dos Deputados e o Banco do Brasil S/A, não foram dois os crimes, mas a repetição de um mesmo - "continuidade delitiva", em linguagem técnica. Por fim, é certo que Marcos Valério Fernandes de Souza não mofará, como se diz, no cárcere. Nem esse é o cerne da questão.



O CÉLEBRE jurista italiano Cesare Beccaria (1738-1794) ensinou que o tamanho do castigo conta menos do que a certeza da punição para coibir a reincidência do crime e a difusão de sua prática. Ainda mais quando não podem pairar dúvidas sobre a legitimidade das sentenças proferidas. Os empreendedores do Mensalão foram julgados pelo corpo da mais alta Instituição do Poder Judiciário do Brasil, em sessões que podiam ser acompanhadas por todos os brasileiros, sob a égide da pluralidade e do contraditório. As desavenças entre o ministro-relator Joaquim Barbosa e o ministro-revisor Ricardo Lewandowski talvez tenham ido além do que as suas togas haverão de tolerar, mas foram eloquentes como exemplo da independência daquela Corte. É um escárnio, portanto, o mentor e mandante do esquema, Zé Dirceu (PT-SP), condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha - pelo que poderá pegar de 3 a 15 anos de reclusão -, declarar-se desde logo "prisioneiro político de um tribunal de exceção".



CINICAMENTE, quer que o vejam reencarnado no papel do líder estudantil de oposição que um regime de força baniria do País, cassando-lhe a cidadania. Quer também que se esqueça que oito dos ministros do STF foram indicados pelos presidentes da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) e Dilma Wana Rousseff (PT-RS). Zé Dirceu já desencadeou uma campanha de descrédito do STF. Faça o barulho que fizer, o processo de autodepuração da jovem democracia brasileira seguirá adiante, renovando suas forças a cada nova vitória como esta que acaba de conquistar.