Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, novembro 13, 2012

Exame instrumental

APÓS três edições marcadas por inépcia gerencial e trapalhadas administrativas, as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizadas no início deste Novembro em 1.615 cidades, transcorreram sem falhas graves. Foi a primeira vez, desde que o Enem foi transformado em Concurso Vestibular unificado das Instituições Públicas Federais do Ensino Superior (IFES) , que não houve erros de impressão no caderno de perguntas e vazamento de questões.



5,7 MILHÕES de estudantes Inscreveram-se no Enem 2012, mas só 4,17 milhões fizeram as provas de Ciências Humanas e Ciências da Natureza, aplicadas no último dia 03; e de Redação, Linguages e Matemática, aplicadas no último dia 04. A taxa de abstenção de 27,9% foi quase a mesma do Enem de 2011, que ficou em 27,6%. Com 2,1 milhões de participantes, a Região Sudeste mais uma vez liderou as inscrições no Enem, seguido pelas Regiões Nordeste e Sul, com 1,8 milhão e 732 mil candidatos, respectivamente. Dos 5,7 milhões de inscritos, apenas 1,7 milhão pagou a taxa de R$ 35 cobrada pelo Ministério de Educação (MEC) - 4 milhões foram isentados da taxa, por terem alegado falta de recursos.



A MAIOR surpresa do Enem deste ano foi o tema da prova de Redação. Tanto os candidatos quanto os professores de escolas do Ensino Médio e cursos preparatórios esperavam temas como aumento da violência urbana, mudanças políticas e o novo Código Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional em Setembro último. Mas, tomando por base um texto com informações sobre haitianos que chegam ao País pelo Estado do Acre e bolivianos que trabalham nas grandes cidades brasileiras, o tema proposto foi "Movimento imigratório para o Brasil no século 21", o que deve acarretar muitas notas baixas nessa edição, segundo especialistas em Ensino Médio. "O tema ficou fora do eixo da maioria dos estudantes e, além disso, não houve informações precisas sobre se há, de fato, um processo migratório", diz o professor Rogério Chociay, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), depois de lembrar que os alunos acabaram ficando excessivamente dependentes dos textos de apoio. "O inesperado pode ter causado insegurança e feito com que as pessoas não conseguissem construir uma argumentação consistente", diz Caroline Andrade, professora do Curso Preparatório da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).



CONTUDO alguns docentes apoiaram a escolha do tema da redação, argumentando que, apesar de ter causado surpresa, não fugiu à tradição do Enem, de valorizar as chamadas "questões sociais". Mas, como esses temas são muito abertos e permitem as mais variadas ilações, os organizadores da prova lembraram aos candidatos, no Guia do Participante - a redação do Enem 2012, que eles são obrigados a "elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos".



A FIANLIDADE de uma prova de redação não é avaliar a opinião dos alunos sobre um determinado tema, mas avaliar se ele é capaz de sustentar essa opinião de modo coerente e organizado, e em português correto. Apesar da ênfase sobre os direitos humanos constar há anos do Guia do Participante do Enem, na prática ela não é uma forma de orientação dos candidatos. É, isto sim, uma estratégia esperta e sutil de induzi-los a fazer correlações "politicamente corretas", a repetir conhecidos jargões ideológicos e a endossar opiniões de dirigentes governamentais. Desde a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência da República do Brasil, o governo federal já defendeu a adoção de mecanismos de "controle social" dos meios de comunicação, propôs a criação de uma agência destinada a monitorar a produção de audiovisual e lançou um polêmico Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), por meio do qual tentou impor a visão de setores radicais do PT e de alguns movimentos sociais sobre assuntos controversos, como reforma agrária e relativização do direito à propriedade privada.



QUANDO o Guia do Participante do Enem dá a entender que a não valorização dos direitos humanos tira pontos da prova, ele inibe a reflexão isenta dos candidatos. Com o receio de que um corretor alinhado com as teses do PT dê zero à redação, os estudantes não têm outra saída a não ser repetir a cartilha ideológica do PNDH3, o que converte o Enem - antes um simples mecanismo de avaliação do ensino médio - em instrumento de proselitismo e doutrinamento.