Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, abril 24, 2006

Intoleráveis!

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DEJANEIRO


A crise e seus espasmos criam estranhas categorias mentais e de julgamento entre nós. Na intolerância e na estreiteza, muito próximas das que eram adotadas pelo velho Partido dos Trabalhadores (PT) quando era Oposição — cheio de certezas e esbanjando autoconfiança ética. Uma delas é a desqualificação de qualquer busca de nexo entre os delitos que estão na base da crise e as deformidades do sistema político.

Toda análise desta natureza desperta a suspeita de que se busca, com ela, justificar ou minimizar os erros do PT e os crimes de petistas. Antes então de se falar em aspectos sistêmicos é preciso dizer sempre, em tom de ladainha: O PT aparelhou o Estado brasileiro, montou uma organização criminosa que comandou a corrupção, arquitetou o delubiovaleriouto e o mensalão, pilotando um projeto de poder de longo prazo pelo qual violou todos os limites éticos, legais e morais etc.etc.etc.

Isso posto, talvez seja possível falar do sistema político, que como diz o senador e ex-presidente da República José Sarney (PMDB-AP), segue irretocável, apesar das mudanças pontuais e limitadas na lei eleitoral que nem sabemos se valerão este ano. O mesmo perigo ronda quem pretende falar do financiamento das campanhas e do caixa dois. Pode parecer afirmação de que o PT fez apenas caixa dois e não algo muito mais grave. Então é preciso deixar claro que não se está querendo misturar farinhas no mesmo saco, como tentam fazer os petistas. O Partido da Frente Liberal (PFL) e seu aliado, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) podem defender o deputado Roberto Brant (PFL-MG), que fez caixa dois mas apenas isso. Foi uma vítima do sistema, do lobista Marcos Valério de Souza e da esperteza de algum proeminente da direção da Usiminas S/A.

Ressalvas feitas, já se pode lamentar que o caixa dois será amplamente praticado na campanha deste ano, salvo um milagre que transfigure todos os doadores e candidatos. A prestação de contas pela Internet no dia 06 de Agosto e no dia 06 de Setembro, sem revelação dos doadores, é brincadeirinha. O que importa é saber quem doou para sabermos se receberá favores depois. A identificação só após a eleição permitirá ao candidato ocultar e proteger seus benfeitores especiais. Só os trouxas vão aparecer como doadores legais e declarados. E assim será até que venha um dia a reforma para valer.

Já a mistura do sistema partidário que temos com as taxas atuais de agressividade política promete o pior dos mundos. Na hipótese de eleição do candidato da Oposição Geraldo Alckmin (PSDB-SP), com quem ele vai governar? Com o PFL e o PSDB, claro. E qual a fração que os dois partidos terão juntos na Câmara dos Deputados? Salvo uma paixonite aguda do eleitorado, no máximo um terço daquela Casa do Legislativo. Quando o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso foi eleito para o seu primeiro mandato presidencial em 1994, puxado pelo sucesso do Real, o PSDB elegeu apenas 62 deputados federais ou 12,1% das cadeiras. O PFL elegeu 89, ou 17,3% das cadeiras. Juntos, tinham 29,4% da Câmara dos Deputados. Um terço. Para governar, houve balcão de cargos e nomeações. Foi preciso tourear o PMDB e alimentar os partidos hoje chamados mensaleiros do petismo. Mal ou bem o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) conseguiu governar e aprovar suas reformas.

Na eleição de 1998, ano da reeleição de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o PSDB obteve 99 cadeiras (19,2%) e o PFL, 105 (20,4%). Estavam no governo, o que sempre ajuda. Juntos, ficaram com 204 cadeiras, ou 39,7%. Mas longe ainda da maioria absoluta, metade mais um. No segundo mandato foi ainda mais difícil segurar a maioria, que se desfez a olhos vistos a partir de 2001. No eventual governo Alckmin, a coalizão PFL-PSDB ficará entre seu tamanho de 1994 e o de 1998.

Já o presidente-candidato da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP), com a votação esplendorosa em 2002, garantiu ao seu PT apenas 91 deputados, ou 17% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Com a ajuda de 12 deputados do Partido Comunista do Brasil (PcdoB) e 22 deputados do Partido Socialista Brasileiro (PSB), a coalizão chegou a ter 24,3% das cadeiras. E como Luiz Inácio da Silva havia desautorizado a aliança que Zé Dirceu (PT-SP) costurou com o PMDB na formação do governo, ficou refém dos partidos clientes preferenciais do mensalão.

Alckmin, sem maioria e fustigado pelo ressentimento petista, talvez não consiga 69 CPIs, como em São Paulo. Já Luiz Inácio da Silva, se reeleito, pode ter seu encontro com o processo de impeachment. Em torno de um programa, poderiam tentar construir um arremedo de coalizão. Mas esta campanha, pelo visto, não debaterá programas. Só a ética de uns e os crimes de outros.

Das metáforas, há quem goste, mas a hipérbole do presidente-candidato Luiz Inácio da Silva sobre o sistema de saúde brasileiro, que seria quase perfeito, ofende. Ofende os que esperam nas filas, os que não conseguem fazer exames, os tuberculosos, hansenianos e vítimas de outras doenças que voltaram nos últimos anos. O governo passado melhorou o sistema investindo no Saúde da Família, que continua em expansão.
O atual fez o SAMU e as farmácias populares, um bom programa quando crescer. Agora, além de acabar com a greve da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o governo precisa mobilizar sua maioria para aprovar a regulamentação da Emenda 29 da nossa Carta Magna, que fixa os gastos com saúde. O projeto está em pauta. Por ele a União Federal fica obrigada a investir 10% de suas receitas correntes, os Estados e o Distrito Federal, 12% da arrecadação (deduzidas as parcelas transferidas aos Municípios), e estes, pelo menos 15% da arrecadação. O projeto proíbe incluir na conta gastos com outras ações que, mesmo tendo a ver com a saúde (o programa Bolsa-Família, por exemplo), não são típicas de saúde.