Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, maio 29, 2009

Entre lordes e lacaios

QUE semelhanças unem o deputado britânico Peter Viggers (Partido Conservador) e, por exemplo, o brasileiro Edmar Moreira (sem partido)? Viggers foi reembolsado por ter gasto o equivalente a R$ 100 mil do auxílio-moradia - a que ele e seus 645 colegas da Câmara dos Comuns têm direito - com serviços de jardinagem e mordomias assemelhadas, incluindo, ao custo de cerca de R$ 5 mil, a construção de uma ilha flutuante e de um castelo em miniatura para servir de abrigo aos patos que alegram uma de suas casas. Moreira, que escondia ser dono de um castelo de verdade no interior de Minas Gerais, avaliado em R$ 25 milhões, foi reembolsado por ter alegadamente gasto R$ 230,6 mil da verba indenizatória - a que ele e seus 512 colegas da Câmara dos Deputados têm direito - com serviços de segurança pessoal que não teriam sido prestados, pois as firmas citadas nas respectivas notas fiscais são de sua propriedade.

MAS QUE diferenças separam os dois políticos? No caso de Moreira, as suspeitas levaram à abertura de um processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, mas é improvável que seja punido com a perda do mandato, mesmo depois do afastamento do relator do caso, aquele que disse que estava se "lixando" para a opinião pública. No caso de Viggers, com a exposição do seu deleite com a natureza à custa do contribuinte, o Partido Conservador pelo qual se elegeu o proibiu de disputar um novo mandato em 2010. Isso significa que ele foi banido da política, pois não se concebe que ele possa se candidatar por outra legenda. Moreira, é bem verdade, foi desfiliado pelo Democratas (DEM) tão logo veio à tona a história do castelo, mas não lhe será difícil abrigar-se em outra sigla para participar do próximo pleito, também em 2010.

MOREIRA e VIGGERS encarnam o contraste entre o Reino Unido da Grã-Bretanha e o Brasil no trato com as maracutaias de seus mandatários. Lá e cá, escândalos e política são termos geminados. A mais antiga instituição legislativa do globo e o governo com a qual se confunde, no regime parlamentarista, não estão imunes a negócios turvos com financiadores de campanhas, abusos no manejo dos recursos públicos, favorecimentos e outros vexames com os quais nós outros, brasileiros, somos sobejamente familiarizados. Também lá os políticos fazem o que sabem para acobertar os seus ilícitos. Mas eles não ficam impunes para sempre nem, muito menos, conseguem enganar os eleitores o tempo todo. Em 1997, a corrupção ajudou a acabar com duas décadas de reinado conservador em Westminster. No ano que vem, deverá pôr fim a mais de um decênio de hegemonia trabalhista.

NÃO PORQUE o partido do primeiro-ministro britânico Gordon Brown seja mais frouxo com a ética do que o resto do establishment político do Reino Unido. Mas porque no seu turno acaba de rebentar o escândalo que levou ao paroxismo o desgosto dos britânicos com os seus políticos. Há duas semanas, o diário londrino Daily Telegraph começou a sangrar o Parlamento com revelações a conta-gotas de documentos mostrando o que integrantes seus - 170, ou perto de 1 em cada 4, pelas contas mais recentes - andaram aprontando com as ajudas de custo recebidas (o correspondente às verbas indenizatórias do Congresso Nacional). Houve de tudo: da compra de filmes pornográficos ao suposto pagamento de danos residenciais cobertos por seguro; de rações para cães a embelezamento de banheiros; de esterco de cavalo à imaginária quitação da hipoteca de um imóvel já pago. O cinismo dos políticos chocou a população mais até do que os montantes malversados.

DIANTE do furor redobrado a cada novidade, vieram as cenas de arrependimento, anúncios de reparação, demissões de autoridades - e a histórica renúncia do presidente da Câmara dos Comuns, o trabalhista Michael Martin, a primeira do gênero em 314 anos. Ele, pessoalmente, não foi alvo de nenhuma denúncia. Ainda assim, por ter-se oposto à divulgação dos documentos que, afinal, chegaram à Imprensa e pela conivência corporativa com as irregularidades de que tinha conhecimento, foi apontado como o símbolo por excelência da instituição cuja conduta o premiê Gordon Brown comparou, no seu pedido de desculpas com a promessa de reformar o sistema, ao de um "clube de cavalheiros". Agora, a atmosfera no clube é de expiação - e de medo do que espera os seus sócios.

MAS enquanto isso, do outro lado de cá, em Brasília...