Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, junho 07, 2010

De ignorância e má-fé

RECIFE (PE) - NÓS os brasileiros pagamos um volume de impostos de Primeiro Mundo em troca de serviços de país subdesenvolvido e ainda têm de sustentar o empreguismo no governo e as benesses concedidas a pelegos amigos do poder. Esses são os fatos, mas o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), contou uma história diferente em seu discurso, em Brasília (DF), na reunião da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). "Quem tem carga tributária de 10% não tem Estado. O Estado não pode fazer absolutamente nada", bufou “O-CARA!”. Os países desenvolvidos têm boas políticas sociais, argumentou, porque têm a tributação mais elevada, e citou os Estados Unidos da América (EUA), a Alemanha, a França, a Dinamarca e a Suécia como exemplos. Há muita má-fé nessa argumentação e alguma ignorância.

DE INÍCIO, a opção não é entre uma carga tributária de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) - obviamente muito baixa -, e uma de 35%, 40% ou mais. Em segundo lugar, nem todos os países desenvolvidos ou emergentes têm impostos e contribuições tão pesados quanto os recolhidos no Brasil. A tributação nos EUA fica geralmente abaixo de 30% do PIB, assim como na Coreia do Sul, no Japão e no México. Na Austrália, oscila em torno de 30%, assim como na Suíça.

EM TODOS esses países que citamos os contribuintes pagam menos impostos que no Brasil e recebem serviços muito melhores que aqueles proporcionados aos brasileiros. Na Europa mais desenvolvida a tributação média é muito próxima da brasileira, estimada na faixa de 35% a 38% do PIB. Mas quem ousará confrontar os serviços de Educação, Saúde, Segurança e Justiça desses países com os do Brasil? Além, é claro, dos gastos públicos em pesquisa, tecnologia, infraestrutura e transportes?

O VOSSO presidente da República, Luiz Inácio da Silva, como ocorre com frequência, se enrolou na confusão de ideias e informações defeituosas, mal assimiladas e mal combinadas. Carga fiscal pesada não é garantia de bons serviços públicos, como prova a lista de exemplos de países com bons Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e tributação muito menor que a do Brasil (Coreia, México, Austrália, etc.). Quanto aos países da Europa mais desenvolvida, seus elevados impostos custeiam funções públicas definidas com base em concepções amadurecidas e consolidadas democraticamente. Esses países dispõem de um funcionalismo altamente profissional, estável e pouco permeável a decisões baseadas no companheirismo e no loteamento de cargos. Os partidos se comprometem com a gestão fiscal e têm de se ajustar a padrões socialmente aceitos, mesmo quando executam políticas discutíveis, como a dos subsídios à agricultura.

UM DOCUMENTO básico apresentado pela Cepal, intitulado “A Hora da Igualdade”, contém um capítulo sobre como a tributação e o gasto público podem promover o desenvolvimento social. A estrutura tributária da maior parte dos países da região é descrita como regressiva, isto é, desfavorável à igualdade, e insuficiente para o custeio das políticas necessárias. A tributação média da América Latina equivalia em 2008 a 18,7% do PIB. Luiz Inácio da Silva deve ter recebido alguma informação sobre esse texto. Mas o mesmo capítulo aponta quatro países com carga tributária elevada em relação ao PIB per capita: Argentina, Brasil, Bolívia e Nicarágua. O Brasil aparece em primeiro lugar, com um peso fiscal equivalente a 35,5% do PIB, bem acima da Argentina (30,6%). Em 2007, a carga tributária da Organização OCDE (formada por 31 dos países mais desenvolvidos) representou quase o dobro da latino-americana - e praticamente igual à brasileira, poderiam ter acrescentado os autores do estudo.

O DISCURSO lulês foi um rosário de disparates e de fantasias, e não só sobre impostos. “O-CARA!” se vangloriou de haver quebrado o "paradigma" da oposição entre exportar e atender o mercado interno. Nada mais falso. Ao chegar ao governo ele ainda se referiu à necessidade de garantir o abastecimento interno antes de exportar - uma evidente bobagem, porque a agricultura e outros setores já se haviam provado capazes de atender o mercado brasileiro e de competir no exterior. Os últimos a perceber esse fato foram Luiz Inácio da Silva e a sua assessoria.