Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, janeiro 27, 2009

A desesperança em cartaz

TIRADENTES (MG) – Apesar de alguns filmes retratem a problemática social brasileira com contundência, especialmente através da dicotomia favela/asfalto, a fotografia belamente construída cria uma espécie de moldura, como se o espectador estivesse fora daquela realidade, tendo a segurança de que a crise não chegará até a sua porta. Uma das qualidades de “Se Nada Mais Der Certo”, que abriu, na noite de sexta-feira, a 12ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, é extravasar esse mal-estar com imagens sujas, descontínuas e aceleradas.

Dirigido por José Eduardo Belmonte, homenageado pelo festival com a exibição de seus outros três trabalhos em longa-metragem, o filme se vale da fotografia para estabelecer um incômodo permanente, ampliando o beco sem saída vivido pelos protagonistas.


O desordenamento deixa de ser uma característica daquele núcleo para virar um sintoma do Brasil. “Se Nada Mais Der Certo” encontra, finalmente, um estado de ser do povo, ocultado por imagens falsas e omissas que o próprio cinema ajudou a forjar. Por mais que os personagens, liderados por um jornalista free lance, interpretado pelo bom ator Cauã Raymond (TV GLOBO), usufruam de alegrias, elas são pequenas e passageiras, desaparecendo dentro do grande marasmo brasileiro.

O Estado, que cada vez mais se desincumbe da função paternalista, é um credor implacável. Nas primeiras sequências de Leo, o jornalista, ele narra uma injusta dívida que foi obrigado a pagar ao Fisco, sem direito a contestação. O endividamento reflete uma forte crise de identidade institucional.

Não enxergamos a mão do Governo, mas sentimos a sua ânsia arrecadadora, pressionando os personagens a tirar de onde não tem. Um aparelho de TV exibe um debate de presidenciáveis, que caminham de um lugar para outro no palco, apresentado no filme de Belmonte como um sinal de falta de dirigibilidade. A questão da identidade repercute nos personagens: há uma garota andrógina, mascarada de homem, mas que ainda tem uma presença feminina. E, claro, o jornalista, um formador de opinião, que perde de vista o seu papel na sociedade.


Se tira do repórter a caneta, o seu principal instrumento, a privação se estende ao taxista interpretado pelo ator João Miguel. Constantemente chamado pela função, ele não tem carro para trabalhar. “Se Nada Mais Der Certo” caminha por estas privações. O retrato é desesperançoso. Quando Leo tem a oportunidade de dar o troco, tirando dos políticos que saqueiam a nação, se mostra incapaz. Em síntese, o filme trabalha essa impotência na maneira de reagir, como se os personagens anárquicos de “A Concepção”, longa anterior de Belmonte, admitissem a sua derrota diante do sistema.

A Mostra de Tiradentes continua hoje com a exibição de cinco longas-metragens e duas séries de curtas. Os destaques ficam por conta da estreia da atriz Malu Mader na direção do documentário “Contratempo”, que será exibido às 21 horas no Cine-Praça, e do mineiro “Acácio”, de Marília Rocha, cartaz das 22 horas no Cine-Tenda, de hoje.