Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, março 11, 2010

Ignorância subliminar

SEMPRE entendi que todo incentivo adicional para a criança de família de baixa renda estudar e procurar melhorar seu aprendizado é uma boa idéia, mesmo quando proposto por adversários, admitiu o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), ao avaliar favoravelmente o Projeto de Lei (PL) de iniciativa da Oposição que cria um novo benefício, no Programa Bolsa-Família, para os alunos de 6 a 17 anos que tiverem bom desempenho escolar. O PL foi aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Educação do Senado Federal. Desse modo, ”O-CARA” reconhece o papel da Oposição no aperfeiçoamento dos programas do governo, embora tenha cobrado dela que aponte também a fonte de recursos. Nem todos no seu Partido dos Trabalhadores (PT), porém, pensam como ele.

DE FATO é dificílimo entender a posição assumida pela líder do governo no Congresso Nacional, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que votou contra o PL. Mais difícil é entender a explicação que a senadora catarinense deu para seu voto: a criação do benefício, segundo ela, constitui uma crueldade contra a criança, que, na sua estranha interpretação do Projeto, "passa a ser responsável pela renda maior da família". "Quando você coloca essa questão do rendimento escolar no Programa Bolsa-Família, como quer o senador Tasso Jereissati (eleito pelo PSDB para representar o Estado do Ceará e autor do PL), você joga nos ombros da criança a responsabilidade de levar dinheiro para casa, e pode gerar situações de maus-tratos, de conflito, se a criança não corresponder à expectativa das famílias", disse a senadora petista a reportagem jornal O GLOBO.

EXISTE uma notória motivação político-eleitoral na estapafúrdia ilação da líder do governo no Congresso Nacional. O governo vem tentando transformar o Programa Bolsa-Família numa das principais bandeiras da campanha presidencial da ministra-candidata Dilma (Pinóquio) Rousseff (PT-RS), e, embora o programa tenha sido originalmente adotado no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) como Programa Bolsa-Escola, a liderança do PT não admite que essa bandeira tenha marcas da Oposição. Se for de autoria de oposicionistas, não importa a qualidade da proposta. E esta - que não se limita a ampliar os benefícios do Programa Bolsa-Família, mas procura melhorar o nível do aprendizado, ao estabelecer uma regra que estimula o bom desempenho dos alunos -, é de autoria de um senador da Oposição.

ESTA claro também que a Oposição tem interesse político na questão. Ao restabelecer uma forma de condicionar o benefício do Programa Bolsa-Família ao desempenho escolar, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) quer criar um vínculo entre o programa atual e o do governo anterior, como admitiu Jereissati. Ou seja, a Oposição quer deixar claro que a verdadeira origem do Programa Bolsa-Família é o Programa Bolsa-Escola do governo do PSDB, o que o governo Luiz Inácio da Silva (2003-10) não quer admitir.

TODOS os argumentos do senador cearense para defender seu Projeto de Lei, porém, não são eleitorais. Ao criar um benefício adicional, mas condicionando seu pagamento a "resultados educacionais positivos obtidos em avaliação oficial", o PL reintroduz no programa de transferência de renda o critério do desempenho escolar. O efeito, além do aumento de renda da família, pode ser a melhoria do ensino. "Com um incentivo concreto, os estudantes procurarão aprimorar suas relações com a escola e com os professores", justificou Jereissati. "Mais estimulados pelo interesse dos alunos, os professores tenderão a se envolver com a causa desse alunado."

OS MOLDES atuais do Programa Bolsa-Familia exigem que as famílias beneficiadas matriculem nas escolas seus filhos em idade escolar, mas não impõe nenhuma condição vinculada à qualidade do aprendizado, pois considera suficiente a comprovação da frequência às aulas. Isso tem alimentado as críticas dos especialistas em políticas públicas e de distribuição de renda que veem no Programa Bolsa-Família "uma ação paliativa que não promove educação de qualidade", como me disse o senador Papaléo Paes (PSDB-AP), que relatou o Projeto na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal. Daí, como justificou Jereissati, a necessidade de aprimorá-lo.

UMA VEZ que a medida é boa, como reconheceu “O-CARA” e reconheceram também outros três senadores do petismo que integram a Comissão de Educação no Senado Federal e votaram a favor do Projeto - que agora será examinado pela Câmara dos Deputados -, ela deve ser aprovada e colocada em prática, não importa qual seja sua autoria. Nesse caso, a Oposição pode ter ganhos políticos e eleitorais, mas quem mais ganha é a sociedade, sobretudo a parcela mais pobre, que os petistas dizem defender. Mas alguns deles não conseguem entender isso.