Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, novembro 02, 2010

A despolitização nefasta

RIO DE JANEIRO (RJ) - UFA! Passou a mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no País, e certamente em todo o mundo: oito anos de palanque na obstinada perseguição de um projeto de poder populista assentado sobre o carisma e a popularidade de um presidente que, se por um lado tem um saldo positivo de realizações econômico-sociais a apresentar, por outro lado, desprovido de valores democráticos sólidos, coloca em risco a sustentabilidade de suas próprias realizações na medida em que deliberadamente promove a erosão dos fundamentos institucionais republicanos. Essa é a questão vital sobre a qual deve refletir o brasileiro, hoje, que elegeu o chefe do Poder Executivo Brasileiro: até onde o lullismo pode levar o Brasil?

POR quanto tempo esse sentimento generalizado de que hoje se vive materialmente melhor do que antes resistirá às inevitáveis consequências da voracidade com que o aparelho estatal tem sido privatizado em benefício de interesses sindical-partidários? Tudo o que o povo brasileiro quer é o pão dos programas assistenciais e do crédito popular farto e o circo da Copa do Mundo da Fifa em 2014 e dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016?

SÓ podemos lamentar que as questões essenciais do País não tenham sido contempladas em profundidade pelo pífio debate político daquela que foi certamente a mais pobre campanha política eleitoral, em termos de conteúdo, de que se tem notícia neste grande e bobo País. Mais uma conquista para a galeria dos "nunca antes neste país" do vosso guia Luiz Inácio da Silva (PT-SP), que nessa matéria fez de tudo. Deu a largada oficial para a corrida sucessória, havia pelo menos três longos anos, ao arrogar-se o direito de escolher sozinho a candidata do seu partido a sucedê-lo na Presidência da República. Deu o tom da campanha, com a imposição da agenda - a comparação entre "nós e eles", entre o "hoje e ontem", entre o "bem e o mal" - e com o mau exemplo de seu destempero verbal e maniqueísmo incubado pelo ressentimento pessoal.

E UMA das inúmeras consequências nefastas dessa despolitização que a era lullo-petista tem imposto a esta nação como condição para sua perpetuação no poder é o desinteresse - resultante talvez do desencanto -, ou pelo menos a indulgência, com que muitos brasileiros tendem a considerar a realidade política que vivemos. A altíssima taxa de abstenção no primeiro (quase 20%) e segundo turno (mais de 20%) dos cidadãos aptos a participar do processo eleitoral. A aqueles que acreditam que podem se refugiar na "neutralidade em cima do muro", o antropólogo Roberto DaMatta (USP) se dirigiu em sua coluna dessa semana publicada no Jornal O Estado de S. Paulo (o Estadão) e no Jornal O Globo: "Você fica neutro quando um presidente da República e um partido que se recusaram a assinar a Constituição e foram contra o Plano Real usam de todos os recursos do Estado que não lhes pertencem para ganhar o jogo? (...) Será que você não enxerga que o exemplo da neutralidade é fatal quando há uma óbvia ressurgência do velho autoritarismo personalista por meio do lullismo, que diz ser a ‘opinião pública’? O que você esperava de uma disputa eleitoral no contexto do governo de um partido dito ideológico, mas marcado por escândalos, aloprados e nepotismo? Você deixaria de tomar partido, mesmo quando o magistrado supremo do Estado vira um mero cabo eleitoral de uma candidata por ele inventada? É válido ser neutro quando o presidente vira dono de uma facção, como disse com precisão habitual o estadista e sociólogo Fernando Henrique Cardoso? Se o time do governo deve sempre vencer porque tem certeza absoluta de que faz o melhor, pra que eleição?"

HÁ exatos quatro anos, neste mesmíssimo espaço, dizíamos que "as eleições de hoje são o ponto culminante da mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no Brasil. Desde 1.º de janeiro de 2003, quando assumiu a Presidência da República, Luiz Inácio da Silva não deixou, um dia sequer, de se dedicar à campanha para a reeleição. Tudo o que fez, durante seu governo (...) teve por objetivo esticar o mandato por mais quatro anos". Desculpe, erramos. O horizonte descortinado pelo “CARA!” era, já então, muito mais amplo. Sua ambição está custando à Nação um preço caríssimo que só poderá ser materialmente aferido mais para frente, pela História. Mas que já se contabiliza em termos éticos, toda vez que o primeiro mandatário do País desmoraliza sua própria investidura e não se dá ao respeito. Mais uma vez, na semana que passou, aqui no Rio de Janeiro, vosso guia respondeu com desfaçatez a uma pergunta sobre o uso eleitoral de inaugurações: "Não posso deixar de governar o Brasil por conta das eleições." Ele que, em oito anos no poder, só pensou em eleições!