Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, julho 17, 2009

Thriller

A MÍDIA de todo o mundo mancheteou a informação antes noticiada no The Wall Street Journal: Joseph, ou melhor, Joe, o pai do astro pop norte-americano Michael Jackson, está fora do testamento do cantor. Testamento feito e registrado em 7 de julho de 2002. E depois acrescentou, de passagem, que Michael e Joe tinham uma relação muito conturbada, porque o filho era agredido pelo pai desde a infância.

A PRIMEIRA surpresa que nos causa, a todos outsiders do showbusiness, é que um homem no gozo de suas forças vitais prepare e registre as suas últimas vontades na idade de 43 anos. Essa era idade de Michael então, porque ele nasceu em 29 de Agosto de 1958. Ora, dizemo-nos os marginais da cena: se uma pessoa não padece de enfermidade letal, aos 43 deve ter projetos para os próximos trinta anos. Para quê distribuir os bens tão antes da hora? Mas nós não temos nem por sonho 500 milhões de dólares, a fortuna de Michael Jackson em 2002... Mortais pobres, somos donos de fazendas em terras do nunca. Se tivéssemos uma Neverland, seria outra história.

A DERRADEIRA surpresa é saber que o pai foi expulso da fortuna em 2002 por supostos maus-tratos, supostos, como fala o último jargão da moda que somos obrigados a suportar. Na verdade, uma “surpresa”, porque todos tínhamos notícias, muito antes, quem era Mr. Joe Jackson. Esquecíamos, ou melhor, fazíamos de conta que esquecíamos, para tirar de nossa memória um pai tão conhecido, no Brasil, em nossas ruas, em nossas famílias, em todo o mundo. Rude e brutal, como este encontrado em qualquer Wikipédia: “Michael e oito irmãos moravam em uma pequena casa de dois quartos. De acordo com as regras rígidas do pai, as crianças eram mantidas trancadas em casa enquanto ele trabalhava até tarde da noite. Entretanto, as crianças escapavam freqüentemente para as casas dos vizinhos, onde cantavam e faziam música. Os irmãos mais velhos mexiam na guitarra do pai Joseph, sem sua permissão, enquanto ele estava no trabalho. Então o grande Joe, esperto, notou o talento dos filhos e resolveu ganhar dinheiro com isso”.

ERA, É um homem inteligente, esse tal Joe.

DURANTE TODA a infância, Michael e irmãos sofreram constante abuso do pai. Joe batia com freqüência nas crianças, e as aterrorizava psicologicamente. Os ensaios de música eram supervisionados pelo pai com um cinto na mão, 10 horas por dia. Mas não só isso. La Toya, irmã de Michael, mais tarde acusou o pai de abuso sexual dos filhos. Em “La Toya: Crescendo na Família Jackson" (autobiografia), fez a grave revelação de que o pai a molestava sexualmente quando criança. No álbum "No Relations" (Toco/Polygram), ela pediu numa das canções ("Submission"), que seus irmãos fizessem como ela, tomassem coragem e denunciassem tudo o que sofreram, para que os crimes contra crianças em todo o mundo parassem.

A ISSO, Joe não respondeu. Mas no que se refere à violência, declarou em entrevista que surrava, surrava, sim, o cantor com um cinto quando ele era criança. “Para o seu bem”. E... "Eu dava 'chicotadas' nele com um cinto. Nunca bati nele. Você bate em alguém com uma vara", afirmou no programa Louis, Martin and Michael, transmitido pela BBC na Grã-Bretanha. Ah, bom. Tão parecido, tão igual a pais brasileiros, norte-americanos, e italianos, não é mesmo?

HOUVE CERTA vez em que Michael e irmãos foram dormir no quarto de um hotel e esqueceram a janela aberta. Por quê e para quê? Joe escalou a janela com uma máscara no rosto e deu um tremendo susto nos filhos, que era para eles tomarem tento e lição. Anos depois, Michael Jackson relataria sofrer pesadelos, que sempre se via sequestrado do quarto e chorava muito com isso. Durante uma entrevista a showwoman Oprah Winfrey, em 1993, Michael confessou que durante a infância chorou muitas vezes por solidão e que em mais de uma ocasião vomitou só de ver o pai.

AINDA HOJE, sem esforço podemos ver o pânico dos pesadelos de sua infância em Thriller, aqui em http://www.youtube.com/watch?v=AtyJbIOZjS8&feature=fvst . No videoclipe há uma encenação de terrores infantis, de máscaras, gritos, que Michael repetiria em outros e outros clipes. E todos nós, comuns mortais, a guardar nossos terrores sob o tapete da memória, apenas achávamos engraçados, enredos bem sacados, bonitos de serem vistos. Enquanto Michael a cantar e a dançar se transformava. Com máscaras, contorções, desequilíbrios, ritmo, passos, faces e peles. Com uma voz infantil que muitos confundiam com afeminada.

SEMPRE FUI admirador de Michael Jackson. Considero o artista um dos mitos da minha geração: exímio dançarino, brilhante cantor, estupendo criador; o precursor do videoclipe e príncipe do R&B – a pérola da música negra internacional. E, portanto, hoje passei parte da manhã a revê-lo no site YouTube com interesse e horror. Enquanto eu o revi dançando e cantando naquele videoclipe, não apagou da canção interna a imagem de Joe Jackson, com suas sobrancelhas finas, rapadas, com seu ar de canalha, como um vilão de filme B. Thriller.