Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, maio 26, 2011

Por uma escolha do bom senso!

FOI um escândalo sexual que precipitou a batalha entre governantes de países ricos da Europa e países de economia emergente, ao redor do mundo, pela chefia do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma instituição com 187 países-membros e um papel de primeira linha, até agora, no enfrentamento da maior crise econômica dos últimos 80 anos. A Primeira-Ministra da Alemanha, Angela Merkel, rejeita qualquer mudança, neste momento, do critério de sucessão seguido por mais de seis décadas. Em termos de princípios a discussão começou há alguns anos, mas sem produzir, até agora, efeitos práticos. A escolha do próximo diretor-gerente só deveria ocorrer dentro de alguns meses, quando o francês Dominique Strauss-Kahn se afastasse, como era previsto, para concorrer à presidência de seu país. Nenhum dos interessados na escolha do sucessor estava mobilizado para o combate. Afinal, dificilmente alguém poderia prever a prisão do executivo, em Nova York (EUA), sob acusação de abuso contra uma camareira de hotel.

A PROPOSTA de um novo critério para a escolha do diretor-gerente já foi aceita, formalmente, pelo Comitê Monetário e Financeiro (MFC), o órgão político mais importante do FMI. O Comitê, formado por 24 ministros de todos os cantos do mundo, formula orientações em nome de todos os países sócios. Até a eleição de Strauss-Kahn, em 2007, foi seguido um padrão informal estabelecido pelas grandes potências quando foram criados o FMI e o Banco Mundial (Bird), no crepúsculo da 2.ª Grande Guerra. O FMI seria sempre dirigido por um europeu. O Bird, por um norte-americano.

O NOVO critério discutido há alguns anos e reafirmado na reunião do mês passado, em Washington (EUA), subordina a escolha dos dirigentes a requisitos de capacidade profissional e política, sem referência à origem - de países desenvolvidos, emergentes ou em desenvolvimento. Dificilmente uma proposta com especificações desse tipo seria aprovada. O próprio Strauss-Kahn teria assumido recentemente, segundo se informou nos últimos dias, o compromisso de apoiar a eleição de um sucessor não europeu.

PORÉM, governantes da Europa preferem deixar para mais tarde o cumprimento desse compromisso. Merkel certamente expressou a opinião das autoridades de toda a União Europeia (UE), ao rejeitar a mudança de critério na eleição do próximo diretor-gerente. Ela e outros europeus têm usado um curioso argumento para defender seu ponto de vista: a crise econômica na Europa torna indispensável à manutenção do velho critério. Se esse argumento tivesse algum sentido, ninguém teria sido mais adequado para o posto do que um latino-americano nas décadas de 1970 a 1990.

O GOVERNO do Brasil tem defendido a escolha de algum nome originário do mundo emergente. O ex-chanceler (no governo anterior), Celso Amorim (PMDB-RJ), sustentou essa posição numa entrevista concedida ao Jornal francês Les Echos e publicada no último fim de semana. Mas, curiosamente, o ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP), admitiu, segundo a reportagem do Jornal Folha de S. Paulo, a hipótese de apoiar um nome do mundo rico, se isso favorecer a continuação da política reformista de Strauss-Kahn. Nenhum dos possíveis candidatos do mundo emergente parece agradar ao ministro Mantega.

SE Mantega estiver, de fato, disposto a apoiar a eleição de quem pareça reunir ousadia, liderança e competência técnica, sem levar em conta sua origem, o governo brasileiro agirá com sensatez. O grande problema neste momento é encontrar alguém capaz de continuar o trabalho realizado por Strauss-Kahn.

A MINISTRA de Estado da Economia da França, Christine Lagarde, tem mostrado competência política e visão técnica. Dentre os possíveis candidatos do mundo emergente, o ex-ministro turco Kemal Dervis parece destacar-se. Mas é preciso levar em conta, na escolha, o peso político de cada um e sua capacidade de articular e de se fazer ouvir.

STRAUSS-KAHN fez muito para restabelecer a importância do FMI mesmo antes do agravamento da crise. Agora, na reconstrução do sistema financeiro, funções de grande relevância - de supervisão, por exemplo - estão previstas para a Instituição. Capacidade para continuar esse trabalho é a qualidade necessária ao sucessor. O resto é retórica de centro acadêmico estudantil.