Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, maio 02, 2009

Fratricídio a vista

TERESÓPOLIS (RJ) - O TABULEIRO da eleição presidencial prevista para 2010 virou de cabeça para baixo a partir do anúncio da descoberta do câncer linfático, "90% tratável" (segundo os especialistas), que vitimou a ministra-chefe do Gabinete Civil da República, Dilma Rousseff (PT-SP). O petismo e aliados da base governista estão em transe com a possibilidade de gerarmos uma Dilmita que fará uma nação inteira de desterrados intelectuais entoar um lacrimejante "Don't Cry for Me, Brazil".

ANALISANDO friamente o quadro, mais do que nunca - se é que a evolução de suas condições físicas permitirem, e Rousseff chegar ao ponto de ser, realmente, candidata a sucessão presidencial do próximo ano - dever-se-á prestar atenção no acirramento fratricida das disputas em torno de uma linha sucessória. As peças do jogo de xadrez entraram em processo de realinhamento a partir do momento em que se ficou sabendo da potencial transformação de Rousseff em mártir e, certamente, muitos coelhos sairão dessa cartolagem daqui para a frente. Nesse esquema, você sabe como é: amigos, amigos; alianças, alianças; cargos e aparelhamento à parte.

A PROPÓSITO, nem era preciso que este protótipo de oráculo das Gerais que aqui escreve chamasse sua atenção: bastava ver o olhar distante com um leve marejar nos olhos, o sorriso abatido e o precoce retorno das rugas na face de Roussef, bem como o jeito incomumente cabisbaixo de "O Cara" em território porteño durante visita à Casa Rosada na semana passada.

TAMPOUCO se deixe enganar, caríssimos: em que pese o desarrazoado (e, pelo menos uma vez, chulo) estrebucho de alguns poucos na defesa de uma regulamentação omissa, obsoleta, que realmente precisava ser mudada, atualizada e colocada mais em linha com os ditames de uma sociedade - apesar de tudo - um pouco mais consciente e, por isso mesmo resistente a excessos, o caso das passagens aéreas no Congresso Nacional, a meu ver, tem algo mais. Não ousaria sugerir uma teoria da conspiração para o barulho - em certa medida, plenamente justificável - que se formou em torno do assunto. Mas é preciso ajustar os diversos níveis de ruído produzidos pelas notícias, e esse ajuste é complexo e dele podem derivar resultados que, nem sempre, são positivos para a sociedade como um todo, ou para o exercício da Justiça como suporte de um esquema verdadeiramente democrático.

QUEREM um exemplo? Enquanto se formou toda esse barulho ensurdecedor(jornalisticamente falando) em torno das passagens aéreas e, logo em seguida, do bate-boca de botequimpé-sujo entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes (presidente da Corte) e Joaquim Barbosa, pouco se falou no silencioso esquema - friamente calculado, diga-se de passagem - de redenção político-criminal do, hoje, deputado e ex-ministra do Estado da Fazenda, Antonio Palocci Filho (PT-SP). O pedido de arquivamento das denúncias contra ele se baseia no argumento de que Palocci não teve participação direta no achincalhamento do caseiro. Hã? A falta de memória do brasileiro chegou a esse ponto, assumindo caráter institucional? Será que o sujeito que for apreciar essa solicitação de arquivamento vai se dar ao trabalho de pelo menos ler os jornais da época, ou passar em revista os autos do processo (o que dá no mesmo, já que sua essência foi divulgada pela mídia)? Muitos dizem que esse foi um episódio que definiu de maneira inconteste o Brasil e seu perfil inconfundível do "você-sabe-com-quem-está-falando?".

NOS TEMPOS da ditadura militar, um grupelho formado por, entre outros, Dilma Rousseff e o deputado cassado José Dirceu (ex-primeiro ministro do petismo mensaleiro), achava que o roubo a bancos era apenas um ato político de desapropriação dos bens da burguesia, algo que era plenamente justificável sob qualquer ponto de vista (deles, claro), uma vez que seu objetivo era destruir os pilares da sociedade tal como ela se encontrava constituída e implantar um novo modelo.

ALGUÉM ai já ouviu falar na frase "os fins justificam os meios", certamente. Pois, então. Mais adiante, dado o patente insucesso (de alterar o modelo político e social) pela via da força explícita, o jeito foi vender a alma e trair "companheiros e companheiras" para ganhar as eleições, poder se sentar em cima do cofre da Viúva e, de lá, com a chave do cofre no bolso, comandar o esquema do mensalão. Apanhado com a boca na botija, mais uma vez José Dirceu (ex-primeiro-comissário) foi expulso de campo. Agora, na continuação de seu movimento de reintegração, o ex-"caixeiro paranaense" reclama ter sido colocado para fora por aqueles mesmos que estão aí, fazendo a chamada farra das passagens, e dá sua receita de cidadania, exigindo reformas assim, assim e assado.

NÃO se iludam, caríssimos é mais um caso de "too little, too late" na triste sina desta grande e boba nação. Mas nessa, tenha certeza: uma bela teoria da conspiração se encaixará como uma luva...