Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, novembro 16, 2009

O comportamento taliban na Uniban

TODO aquele imbróglio que resultou na expulsão, e horas depois na reintegração, da estudante Geisy Villa Nova Arruda (20 anos), à Universidade Bandeirante (Uniban), é mais um triste episódio de uma sucessão de equívocos que começou com a boçalidade dos estudantes que hostilizaram moralmente a moça por usar vestido curto numa aula do Curso de Graduação em Turismo, e que se desdobrou numa iniciativa de duvidosa legalidade, do ponto técnico-jurídico, e absolutamente desastrosa, em termos de política educacional.

AO TENTAR punir a vítima Geisy, convertendo-a em ré sem nem mesmo abrir o devido processo e lhe conceder o direito de defesa previsto pela Constituição Federal, a medida adotada pelos diretores daquela instituição foi tão absurda que tanto a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM) quanto o Ministério da Educação (MEC) decidiram questioná-la. Se for condenada, no plano administrativo a Uniban pode ser impedida de criar novos cursos e abrir vagas. E, como o noticiário da Imprensa revelou que, além de difamação, injúria e constrangimento ilegal, Geisy foi vítima de "preconceito de gênero" e "violência sexista", o Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo (CEDH-SP) e a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) também estão avaliando as providências judiciais a serem tomadas. "A atitude da diretoria da Uniban representa um profundo e lamentável desrespeito à mulher", diz o promotor Roberto Livianu. "É uma situação ultrapassada culpar a mulher pelas agressões que sofre", afirma a procuradora Luiza Nagib Eluf.

NO ÚLTIMO dia 22 de Outubro, Geisy foi insultada, perseguida e encurralada por cerca de 600 alunos nos corredores da Uniban em São Bernardo do Campo (SP), que a acusaram de ferir a moral e os bons costumes. Para os diretores da instituição, os gritos e ameaças teriam sido apenas uma "reação de defesa do ambiente escolar" à roupa e às "atitudes provocativas" da estudante. Em nota, eles alegam que "a aluna fez um percurso maior do que o habitual, aumentando sua exposição". Todavia, como reconhecem dirigentes do MEC, membros do Ministério Público (MP), ex-reitores de conceituadas universidades públicas e até integrantes do Conselho Nacional de Educação (CNE), a roupa de Geisy não era escandalosa - ela é que seria uma jovem exuberante.

CONTUDO, a estética é o que menos importa nesse caso. Independentemente do bom ou mau gosto da moda ou dos atributos físicos da estudante, o que realmente merece ser discutido é o comportamento obscurantista daqueles que a agrediram, inclusive ameaçando estuprá-la. Esse é o típico comportamento irracional de massa a que se referem antropólogos, psicólogos, sociólogos e filósofos do porte de Gustave Le Bon, Georges Sorel, Elias Canetti e Hannah Arendt, que estudaram as formas de banalização da violência e de linchamento - inclusive o moral.

SEGUNDO esses renomados teóricos, a multidão muitas vezes transforma indivíduos civilizados em hordas de bárbaros, movidos por instintos primitivos, como, por exemplo, nos linchamentos de negros, nos Estados Unidos da América (EUA) até o final dos Anos 1950; no terrorismo de fundamentalistas religiosos, como os taleban; nas turbas enfurecidas que destroem o que veem pela frente, como os hooligans ingleses; e como nas guerras entre torcidas nos estádios de futebol, no Brasil. Em todas essas manifestações de massa, poucos são os indivíduos que tentam resistir, não se deixando arrastar pelo fanatismo e pela irresponsabilidade coletiva.

PORÉM, o mais preocupante é que as agressões contra a estudante Geisy ocorreram no âmbito de uma instituição educacional - justamente o local onde deveria prevalecer o saber, a reflexão e a formação moral e acadêmica das novas gerações. A universidade não é só um locus de treinamento e qualificação - acima de tudo, é um ambiente no qual os padrões espirituais e os princípios civilizatórios da tolerância e do respeito ao próximo devam ser cultivados, aperfeiçoados e transmitidos de geração em geração.

E POR tudo isso, causa espanto o comportamento taliban da Uniban. De uma universidade à altura da sua missão, jamais se poderia esperar que a vítima de um linchamento moral fosse convertida em ré e que os linchadores, que não receberam mais do que uma suspensão, fossem tratados de modo leniente, sob a justificativa de que só defenderam a "dignidade acadêmica e a moralidade".