Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, julho 24, 2012

A arrumação da Anatel


BLOOMINGTON (EUA) – ENTÃO, desde ontem, por decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), três das principais operadoras de telefonia móvel no Brasil estão proibidas de vender serviços de internet e telefonia a novos clientes, até que cumpram uma série de exigências - a Telecom Itália Mobile (TIM) em 18 Estados e no Distrito Federal, a Telemar Norte Leste S.A (Oi) em 5 Estados e a América Movil (Claro) em outros 3, inclusive o Estado de São Paulo, maior mercado de telefonia do País. Os motivos que levaram a essa decisão drástica foram as constantes interrupções nas ligações e o número crescente de reclamações dos clientes. Entre Janeiro e Junho foram registradas mais de 70 mil reclamações nos Procons em todo o País. Na Anatel, houve 487 mil queixas no segundo semestre de 2011 - 20% a mais do que no primeiro semestre - e 90 mil apenas no último mês de Junho.

ATÉ então, a punição mais dura aplicada pela agência reguladora ocorreu em 2009, com a suspensão, por dois meses, das vendas do serviço de internet de banda larga da Telefônica di Spaña (controladora da Vivo Telecom). A diretoria da empresa calcula ter perdido quase 150 mil clientes. Em Janeiro de 2011, a Justiça Federal proibiu a TIM de vender novos chips no Rio Grande do Norte, por "péssima prestação" de serviços. Em Porto Alegre, há dias, a Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) suspendeu as vendas de serviços de telefonia móvel de todas as operadoras.

A PÉSSIMA qualidade dos serviços - entre as principais reclamações está a ausência de sinal até mesmo em cômodos de uma mesma casa - se deve à insuficiência de investimentos para enfrentar o crescimento do número de clientes. Em 2011, a TIM aumentou a base de assinantes em 25,6%, mas investiu apenas 5% mais; a Claro ampliou a clientela em 17,5%, sem informar os investimentos; e a Oi aumentou o atendimento em 15,8%, sem esclarecer qual parcela de investimento foi destinada à telefonia móvel.

ENTRE os principais problemas decorrentes dessa situação, de acordo com técnicos ouvidos pela nossa reportagem, está a deficiência das antenas. A capacidade das antenas de telefonia móvel aqui nos  Estados Unidos da América (EUA) é mais de dez vezes superior à capacidade das antenas distribuídas no Brasil, lembrou um deles.

ATÉ o estímulo ao uso do telefone móvel contribuiu para piorar a qualidade do serviço: as comunicações entre aparelhos móveis de uma mesma companhia, inclusive interestaduais, têm custo mínimo, congestionando ainda mais redes já subdimensionadas.

A ANATEL exige melhorias nas redes, atendimento eficiente ao consumidor, inclusive nos call centers, e a solução dos problemas que acarretam interrupções das ligações. As empresas têm prazo de 30 dias para apresentar planos de investimentos capazes de atender a essas exigências e cujos resultados serão avaliados pela Anatel. A punição para aquelas que desobedecerem a proibição de vender assinaturas e chips é de R$ 200 mil por dia. "Embora extremas, as medidas são necessárias para arrumar o setor", afirmou o presidente da Anatel, João Rezende à nossa reportagem no Brasil. "Não somos contrários à apresentação de ofertas agressivas", esclareceu, "mas o aumento da base de clientes tem de ser acompanhado por investimento na rede".

AS operadoras de telefonia punidas reclamaram da decisão da Anatel, argumentando que a burocracia e as leis dificultam a expansão dos negócios e retardam os investimentos. É o caso das licenças para instalar antenas. Mas as empresas, que já estão há muito tempo no Brasil, conhecem a realidade local e não podem esquecer de que as regras estabelecidas para seus negócios, que lhes possibilitaram obter bons lucros - o que é legítimo e saudável -, também lhes impõem deveres de prestar bom atendimento aos clientes. Se a rede não comportava - não importa por que razão - aumento do número de clientes, este não deveria ter sido buscado, para que as empresas não vendessem o que não conseguiriam entregar.

ESSA grande expansão do mercado de telefonia móvel - o número de aparelhos chegou a 256 milhões, com crescimento de 19% ao ano - possibilitou importantes ganhos de escala, mas mesmo assim as tarifas brasileiras continuam entre as mais altas do mundo. Recursos para investir, portanto, não deveriam faltar. 

POR outro lado, sob o ponto de vista financeiro, o leilão para introduzir no Brasil a internet móvel ultrarrápida de quarta geração (4G), realizado outro dia pela Anatel, não foi dos piores. Os ágios pagos para a concessão por 15 anos, prorrogáveis por mais 15, das quatro faixas nacionais de 4G - não incluindo 269 faixas regionais - variaram entre 5% e 66,61%, ficando o ágio médio em 35,59%, proporcionando ao governo uma receita de R$ 2,565 bilhões. Como se esperava, as concessões foram feitas às quatro maiores empresas de telefonia no País - Claro, Vivo, TIM e Oi. Como a tecnologia de terceira geração (3G) ainda deixa muito a desejar no País, há muitas dúvidas quanto à capacidade de as empresas vencedoras satisfazerem - com serviços de qualidade - a demanda de 4G no prazo previsto, o que exigirá pesados investimentos. Parece irrealista a previsão do Ministério das Comunicações de que o leilão 4G proporcionará cobertura adequada para os grandes eventos esportivos programados para os próximos anos.

A CLARO e a Vivo venceram, respectivamente, as disputas pelo primeiro e o segundo lotes, ficando com as duas faixas de frequência de 2,5 gigahertz (GHz), com maior capacidade, e as duas restantes, com espectro de menor envergadura, foram para a TIM e a Oi. O presidente da Anatel, João Batista de Rezende, estima que os investimentos das operadoras devem variar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões até 2018 para implantar a rede que dará suporte à 4G e à telefonia rural. Em comunicado divulgado depois do leilão, a Claro informou que, já tendo capacitado toda a sua rede para a conexão 3G, pretende investir R$ 3,5 bilhões ainda este ano na nova tecnologia.

TAL cronograma é bastante apertado. As cidades onde serão realizados os jogos da Copa das Confederações da FIFA deverão ter cobertura 4G até 30 de Abril de 2013. Em antecipação à Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014, todas as sedes e subsedes - ainda não definidas - dos jogos devem contar com o serviço até Dezembro de 2013. Quanto às regiões rurais, o prazo vai até 2015 e, como não houve interesse por essas áreas, elas foram distribuídas entre as vencedoras. As empresas também tiveram de oferecer internet em escolas públicas com velocidade de download de 256 kilobytes por segundo (kbps).

ISSO acarretará o aumento de custos, e o mercado tende a evoluir lentamente. A faixa de 2,5 GHz permite grande capacidade de transmissão de dados, embora a cobertura da antena seja menor. As empresas terão, portanto, de instalar antenas a distâncias menores, o que exigirá entendimentos às vezes demorados com municípios e governos estaduais, que têm normas a esse respeito. Isso depende, naturalmente, da popularização da tecnologia 4G, com maior uso de aparelhos caros, como smartphones, modems e tablets, ainda pouco acessíveis a grande parte da população brasileira.

COM os dois pés no chão, o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, avalia que a velocidade média de 4G no Brasil possa ficar entre 5 megabytes por segundo (Mbps) e 12 Mbps, muito mais rápida do que a 3G (entre 1 e 2 Mbps). Falando à nossa reportagem, porém, Tude ressaltou que o serviço deve levar alguns anos para atingir um nível adequado por causa do preço, não só dos aparelhos, mas também dos planos das operadoras, mais caros que os praticados na 3G. Para ele, a 4G no começo deve servir, basicamente, a profissionais que dependem da internet móvel rápida para o trabalho, dispostos a pagar alto preço pelo serviço.

O MAIOR obstáculo, porém, é a exigência de conteúdo nacional de 60% dos bens, produtos e equipamentos que constituirão a infraestrutura da 4G, sendo 10% de tecnologia nacional. Essa proporção vale para o período entre 2012 e 2014, subindo para 70% entre 2017 e 2022. Isso deve significar custos bastante elevados, principalmente no período inicial de implantação da 4G. Além disso, a medida é contestada no plano internacional. O governo daqui nos EUA e dos países da União Europeia (UE) já se pronunciaram na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra essa exigência, alegando tratar-se de uma barreira ilegal ao comércio no setor de telecomunicações.

Às empresas atingidas só cabe agora adaptar-se à "arrumação do setor" a que se refere o presidente da Anatel.