Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, fevereiro 01, 2009

O brilho dos Titãs

TIRADENTES (MG) – A sensação de forte conservadorismo e respeito silencioso ao rico patrimônio histórico parece não combinar com o rock enérgico e divertido dos Titãs. Mas é só aparência. Numa das principais praças desta histórica e bucólica Tiradentes (MG), sede da 12ª Mostra de Cinema, o que se viu foi muita gente cantando e dançando ao som de um dos mais importantes e longevos grupos brasileiros, através do documentário “Titãs – A Vida Até Parece uma Festa” que estreou também esse fim de semana no circuito comercial em Belo Horizonte após consagradora passagem pelo festival que abriu o calendário cinematográfico nacional.


Boa parte da receita para conquistar o público está na opção dos diretores: Branco Mello, um dos oito integrantes fundadores dos Titãs, e Oscar Rodrigues Alves, especialista em videoclipes. A partir de material inédito gravado por Mello ao longo da carreira de 25 anos da banda, inicialmente feito de forma caseira, com uma câmera VHS, a dupla imprimiu uma narrativa mais musical que biográfica, com os grandes sucessos puxando vários momentos de bastidores, que só comprovam o lado humorístico e performático dos autores de “Bichos Escrotos” e “Marvin”.



“A gente quis fazer um filme musical acima de tudo. Ele não tem a pretensão de contar a história dos Titãs cronologicamente. Quer mostrar as aventuras da banda. O grande barato foi fazer um documentário em que não se precisasse ouvir pessoas hoje em dia, para que lembrassem de como tudo aconteceu na época. Sempre tinha uma câmera ligada onde estivessem, o que gerou um material mito rico, como a gravação de músicas clássicas, o registro de turnês em aviões e ônibus, a saída de Arnaldo Antunes e Nando Reis e a morte de Marcelo Fromer”, observa Rodrigues Alves.



Após digitalizar cerca de 200 horas de material, o passo seguinte foi criar analogias curiosas com as músicas, como se elas fossem compostas justamente para sublinhar um determinado acontecimento.



Outra preocupação foi colocar alguns hits, como “Comida” e “Bichos Escrotos”, em sua íntegra. “Queria que a platéia curtisse o som, sem que a música parasse na hora que ela embalasse. A partir disso, nós buscamos a melhor maneira de usar cada canção”, explica o diretor.


“Comida” estampa uma cena gravada num quarto de hotel no Rio de Janeiro, em que o grupo se aventura na cozinha, preparando um prato inusitado que Fromer definiu como “Fondue de Chocol’amour”, que, entre outros ingredientes, continha loção de barba e remédios de homeopatia.



“Cabeça Dinossauro” proporciona uma das melhores seqüências de “A Vida Até Parece uma Festa”, em que os Titãs estão nas cachoeiras da Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, e improvisam pinturas e figurinos de homens primitivos.

Além das gravações de Mello, o filme se vale de imagens de programas de TV, com hilárias participações nos programas “Qual é a Música”, de Sílvio Santos (SBT), “Clube do Bolinha” (TV BANDEIRANTES), “Hebe” (SBT) e “Viva a Noite”, de Augusto Liberato (SBT), quando o octeto encena o salvamento de uma fã, presa a uma teia de aranha no alto de um edifício. Mais brega, impossível.
O humor, por sinal, é um elemento fundamental no documentário, acentuando um ingrediente que sempre esteve presente no repertório da banda.
“O humor destes oito amigos é muito forte, sui generis e especial. É inteligente, sarcástico, lírico e também violento. Neste tipo de convivência, é preciso ter humor”.




Apesar de a qualidade das imagens não ser a melhor, com muitas cenas escuras e borradas, prevaleceu o lado documental, com registros raros da pré-história dos Titãs – entre eles a apresentação no Teatro Lira Paulistana, quando ainda se chamavam os “Os Titãs do Iê-Iê-Iê”, em 1982. “Vi naquelas imagens uma importância jornalística muito grande, muito maior do que estética. Aliás, aquela estética é genial, com toda uma ‘podreira’ que hoje em dia necessitaríamos de softwares caríssimos para emular”, conta o diretor.
Curiosamente, a narrativa de “A Vida Até Parece uma Festa” coincide com o auge e o declínio artístico dos Titãs, contendo poucas imagens dos anos 2000, época em que o grupo freqüentou menos as paradas de sucesso.


A última imagem é de 2006, da abertura do show dos Rolling Stones, na praia de Copacabana no Rio de Janeiro.