Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, novembro 29, 2005

Claro que é Rock!

WLADMIR ÁLAVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO

Uma mistura de Rock in Rio Festival com o Festival de Rock de Woodstock marcou o Festival Claro Que É Rock, a, na Cidade do Rock, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de janeiro. O Festival conseguiu juntar, em sua versão carioca, no último Domingo, 27, cerca de 15 mil pessoas, contra as 25 mil registradas em São Paulo, no Sábado, 26, segundo os números divulgados pelos organizadores do evento. Na última Sexta-feira, 25, a expectativa de público segundo os organizadores para os shows no Rio de Janeiro era também de 25 mil pessoas.

Em vez da agilidade de dois palcos
— como acontecera na véspera, em São Paulo — o público ficou horas em pé, viu shows encurtados, artistas furiosos e uma banda a menos, já que a banda Nação Zumbi foi gentilmente convidada a passar sua apresentação das 22h para as 4h e, obviamente, recusou.

Com mais de duas horas e 40 minutos de atraso, às 19h48m, os gaúchos do grupo Cachorro Grande pisaram no palco. Problemas na montagem - um caminhão quebrou no trajeto entre Sampa, onde ocorreu a primeira série de shows, no sábado, e o Rio - provocaram a demora no início do evento. O público começou a chegar à Cidade do Rock por volta das 16h, sob um sol inclemente. Na entrada, um número excessivo de funcionários (talvez para justificar os extorsivos R$ 15 do estacionamento) tentava orientar os motoristas e acabava atrapalhando-os. Nada grave, principalmente comparado com o que viria em seguida.

A banda misturou canções de seus dois discos mais recentes, entre as quais 'Agora tô bem loco', 'Desentoa' e 'Lunático'. Em 'Dia perfeito', um blues pesado, o cantor Beto Bruno e o excelente guitarrista Marcelo Gross dividiram os vocais para entoar, para delírio da platéia, o já conhecido refrão "Quando eu penso em aprontar ela vai e apronta antes", sucesso no DVD 'Acústico MTV Bandas Novas'.

Exibindo um português afiadinho, Mike Patton - mais conhecido no Brasil como vocalista da banda Faith No More - amansou o público que assistia ao show de sua banda Fantomas, e conseguiu ganhar parte relevante da platéia. O show do grupo de Patton ficaria melhor em um palco menor, que guardasse a introspecção necessária para que se curta o som desconexo e de difícil qualificação da turma de Patton.

Os fãs do Good Charlotte, os mais jovens e talvez os mais apaixonados do Festival tiveram que esperar até as 21h10m (cerca de três horas e meia depois do previsto) até que os gêmeos Joel e Benji Madden tomaram o palco, com seu rockzinho mais sensível do que agressivo. O insosso Good Charlotte encantou seus fãs com músicas como “Walk away (maybe)” e “Anthem”. O resto do público os ignorou.

O rodízio entre os palcos começou com o Flaming Lips no palco B. Em 40 minutos, o grupo promoveu uma festinha psicodélica, com pessoas, escolhidas na platéia antes do show, no palco vestidas de bichinhos. Wayne Coine é um louco genial e entra totalmente na viagem que propõe. Sem nenhuma música conhecida por aqui, a banda usou dois covers clássicos para animar o público (“Bohemian rhapsody”, do Queen, e “War pigs”, do Black Sabbath), além de excelente uso do telão e de uma câmera colocada no microfone de Wayne. Acabou com gosto de quero mais.

Corta para o palco A, onde a lenda viva Iggy Pop entra quicando e faz o show que realmente mexe com a platéia até ali. Iggy é uma força da natureza e é uma atração por si só, mesmo com os Stooges fazendo um bom barulho atrás. Além de rebolar e rolar no chão, ele chamou dezenas de pessoas ao palco, criando uma saudável bagunça. Mas fica a impressão de que ele está virando meio que uma caricatura de si próprio, um Serguei turbinado. Mas ainda rebelde. Faltou um clássico, “Search & destroy”.

Daí volta-se para o palco B, onde, por volta das 2h, os ícones do indie rock Sonic Youth entram em cena. Em cerca de 40 minutos, a banda só teve tempo para jogar uns feedbacks , emular algum experimentalismo e criar distorções de guitarra. Com uma platéia em estado semizumbi, eles encerram com a viajante “Expressway to yr. skull”, um fecho de ouro com quase dez minutos de ruído. Quase passou em branco. Uma pena.

Coube ao Nine Inch Nails fechar, no palco A, o festival de atropelos com alguma dignidade, pois foi a única banda que fez um show completo. Já perto das três da manhã Trent Reznor surgiu das brumas do palco com uma energia que já faltava à platéia e fez o grande show da noite com sua mistura de rock pesado e elementos eletrônicos. Em cerca de hora e meia, o NIN tocou seus hits, e no único momento em que falou, Reznor lamentou a hora tardia. Com alta qualidade técnica de luz, som e grande competência musical (com direito ao figuraça Twiggy Ramirez, ex-Marilyn Manson, no baixo), o NIN fez um show que não tem similar em banda nacional alguma. Com um bônus: “Hurt”, uma das mais belas canções do universo pop recente, a música que Johnny Cash regravou antes de morrer. Quem não sucumbiu viu um dos shows do ano.