Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, setembro 27, 2009

Sabatina redentora

APÓS AS polêmicas nomeações que fez para a chefia de cargos altamente especializados, e que resultaram na politização e subsequente desqualificação técnica de órgãos importantes e conceituados, como é o caso do Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea) subordinado ao Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), volta à carga, indicando o advogado e militante petista que sempre o assessorou em suas campanhas políticas, José Antonio Toffoli, para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

EM SEUS quase 20 anos de carreira profissional, o único cargo público expressivo que Toffoli ocupou, a chefia da Advocacia-Geral da União (AGU), para a qual foi nomeado em 2007, é de indicação política. Ele também exerceu cargo no segundo escalão do governo, como subchefe do Gabinete Civil para assuntos jurídicos, para o qual foi nomeado pelo então ministro José Dirceu (PT-SP). Na maior parte de sua carreira, Toffoli trabalhou para a direção do Partido dos Trabalhadores (PT).

E COMO sempre atuou no universo político-partidário, desde que se formou em direito, parlamentares e juristas - inclusive magistrados dos tribunais superiores e procuradores do Ministério Público (MP) - perguntam se ele terá a imparcialidade e a independência necessárias para atuar como árbitro. O currículo do chefe da AGU autoriza a indagação - ainda que na história do STF alguns dos ministros que mais se destacaram como juristas isentos e capazes de pôr o interesse público à frente de suas preferências ideológicas ou partidárias tenham passado anos no Congresso Nacional.

A PREOCUPAÇÃO relevante, no entanto, diz respeito às credenciais de Toffoli para exercer um cargo que exige sólida formação teórica e profundos conhecimentos em matéria de doutrinas jurídicas e de legislação nacional e comparada. Como pode integrar a mais alta Corte do País um profissional que, em 1994 e em 1995, foi reprovado em concurso público para ingresso na magistratura? Todas as vezes em que o atual chefe da AGU tentou ascender profissionalmente, faltaram-lhe mérito e preparo técnico suficientes para integrar o Poder ao qual agora chegará por indicação política.

AO TENTAR justificar a indicação para o STF de um advogado portador de um currículo tão exíguo, parlamentares do petismo afirmaram que, após ter sido reprovado nos dois concursos para a magistratura, Toffoli teria "aprimorado" seus conhecimentos jurídicos. Seu currículo, contudo, revela que ele não fez mestrado ou doutorado nem se matriculou ao menos em cursos de especialização "lato sensu". E o que produziu profissionalmente, tanto como advogado de uma agremiação partidária quanto como advogado público, não resultou na publicação de um único livro. Nos tribunais superiores, são raríssimos os casos de ministros nomeados sem um mínimo de bagagem jurídica.

AO COMENTAR esse fato, parlamentares petistas lembram que o decano do STF, ministro José Celso de Mello Filho, também não fez pós-graduação nem curso de especialização, não lecionou em faculdades de direito e não publicou um único livro sobre matérias jurídicas antes de sua indicação para aquela Corte, em 1989. Eles se esquecem, porém, que Mello foi aprovado em primeiro lugar no concurso que disputou para ingressar no Ministério Público (MP) de São Paulo. "Entre todos os juristas do País, por que Toffoli foi o indicado? Será que ele era a melhor opção, não para o PT, nem para o presidente da República, mas para o Brasil?", pergunta a procuradora da República Janice Ascari.

O PRESIDENTE do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que o PT prova do próprio remédio ao enfrentar resistências à indicação de Toffoli, para ocupar uma vaga na Corte. "Esse padrão foi estabelecido pelo próprio PT, quando na Oposição".



MENDES fez uma defesa explícita de Toffoli, que, a seu ver, estaria sendo vítima de especulações e constrangimentos indevidos. Toffoli foi condenado em primeira instância pela Justiça do Amapá. Mas ministro e senadores ouvidos pela nossa reportagem acreditam que o episódio não afetará a aprovação de Toffoli para o Supremo.



PARA o ministro, na condição de advogado militante, é "absolutamente rotineiro" alguém sofrer ações e eventuais condenações na justiça. "Até me surpreende que não tenha havido mais processos". Segundo o presidente do STF, a condenação, da qual Toffoli já recorreu, não é motivo para o Senado Federal recusar a indicação. "Não atribuo relevo a esse tipo de questão, a não ser que surja fato grave, pois as especulações são naturais", disse.



O ATUAL Advogado-geral da União foi condenado porque o juiz entendeu que a sua contratação pelo governo do Amapá para atuar nos tribunais superiores de Brasília (DF) ocorreu em desacordo com a lei de licitações. Segundo sua assessoria , Toffoli recorreu da sentença.


PARA o advogado Luís Maximiliano Telesca, ex-sócio de Toffoli e também condenado em primeira instância, "a contratação questionada na ação popular foi completamente lícita". "Os serviços advocatícios contratados pelo Governo do Amapá junto à empresa Tofolli & Telesca Advogados Associados foram devidamente prestados."


MENDES disse que o PT, quando na Oposição, costumava se associar a setores do Ministério Público para manchar a biografia de adversários políticos escolhidos para o STF. "Vivíamos a era do Brasil atrasado", disse. "É notório que Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb (procuradores punidos por perseguição política ao ex-ministro-chefe da Secretaria-geral da Presidência da República, Eduardo Jorge Caldas), eram braços institucionais do PT", acusou Mendes, referindo-se aos questionamentos à aptidão de Toffoli para o cargo.

SEGUNDO reza a Constituição Federal, a nomeação de um ministro do STF é um processo complexo que envolve dois Poderes - o Executivo, que o indica, e o Senado, que sabatina o indicado, avalia seu currículo e o aprova ou não. Esse modelo foi copiado do vigente nos Estados Unidos da América (EUA), onde o Senado Federal examina cuidadosamente a formação acadêmica, as credenciais técnicas, a experiência profissional, os antecedentes, além do comportamento pessoal dos nomes indicados pela Casa Branca para a Suprema Corte. Por isso, as sabatinas costumam ser demoradas e o processo de aprovação pode levar meses, como se viu na recente indicação da juíza Sonia Sotomayor.

ENTÃO, diante das escassas credenciais técnicas de Toffoli para o STF, como atesta seu currículo, o Senado Federal não só precisa sabatiná-lo com o rigor possível, como também deve ter a coragem de recusar sua indicação, caso fique patente que não está preparado para o cargo.