Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, fevereiro 10, 2012

Conselho vigilante

A MANUTENÇÃO das atribuições do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo plenário Supremo Tribunal Federal (STF) por 6 votos contra 5, em decisão histórica no início deste Fevereiro, deu o primeiro passo para pôr fim à crise do Poder Judiciário deflagrada no segundo semestre de 2011, quando associações de magistrados acusaram a corregedoria do órgão de controle de quebrar ilegalmente o sigilo bancário de juízes e os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski concederam liminares suspendendo as investigações que vinham sendo feitas nas Justiças estaduais. Há uma semana, o plenário do STF julgou a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio. A outra, que questiona as relações entre o CNJ e os órgãos de inteligência financeira do governo, não tem data para ser julgada.

A PARTIR da decisão em plenário, o STF devolveu ao CNJ a prerrogativa de abrir sindicâncias independentemente das corregedorias judiciais e de avocar investigações paradas nos tribunais. Em outro duro baque para o corporativismo judicial, o STF determinou que os julgamentos administrativos de juízes acusados de corrupção continuarão sendo feitos em sessões públicas.

A APRECIAÇÂO da ação em julgamento no STF foi longo, uma vez que os ministros examinaram quase todos os 29 artigos da Resolução 135 do CNJ, que disciplina as punições a juízes. Das entidades que questionaram a constitucionalidade desse texto legal, a mais importante é a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), dirigida por um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Com 1,9 mil juízes e cerca de 360 desembargadores, aquela Corte é apontada pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, como a mais refratária ao controle externo.

A OPOSIÇÃO de juízes ao CNJ é antiga. Ela ficou evidenciada quando alguns setores da corporação - especialmente os vinculados às Justiças estaduais - se mobilizaram politicamente para tentar impedir a aprovação da Emenda Constitucional (EC) 45, que introduziu a reforma do Judiciário. Concebida para desburocratizar os tribunais e impor o controle externo, coibindo desvios funcionais de juízes, a EC 45 foi aprovada em 2004, com forte apoio da Opinião Pública.

VENCIDOS no Congresso Nacional, os magistrados insatisfeitos com a atuação do CNJ tentaram restringir as prerrogativas do órgão no plano judicial. Desde a instalação do órgão, em 2005, associações de juízes já impetraram 20 Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra ele. A ação mais ambiciosa foi a que o STF julgou semana passada, depois de acirrada polêmica entre o presidente daquela Corte, o ministro Cezar Peluso, e a corregedora do CNJ. Em Setembro último, a ministra Eliana Calmon afirmou que alguns tribunais abrigam "bandidos de toga" e que o CNJ só conseguiria concluir investigações sobre pagamentos feitos pelo TJSP "no dia em que o Sargento Garcia prendesse o Zorro". Três meses depois, ao criticar outra vez a Justiça paulista, ela disse que "a serpente (da corrupção) está nascendo e é preciso combatê-la".

TENDO atuado na Justiça paulista por 35 anos, como juiz e desembargador, o ministro Peluso tomou as dores de seus antigos colegas, mas não conseguiu que a ministra Calmon se retratasse. Ela ganhou apoio da Opinião Pública ao mostrar o saldo de realizações do CNJ. Nos últimos seis anos, o órgão constatou que 3.426 magistrados e servidores do judiciário fizeram movimentações atípicas, num total de R$ 835 milhões. Atualmente, há 17 sindicâncias abertas para apurar denúncias de venda de sentenças. Já a AMB e os presidentes de TJ nos Estados limitaram-se a acusar o CNJ de violar garantias dos juízes, em suas investigações. As garantias dos magistrados são indispensáveis para o bom funcionamento do Estado de Direito, não há dúvida, mas não podem ser invocadas para blindar magistrados de qualquer investigação sobre desvio de conduta e corrupção.

MUITO além da Opinião Pública, o CNJ teve o apoio do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que deu parecer contrário às pretensões da AMB. "O que levou à criação do CNJ foi a percepção generalizada da incapacidade das corporações judiciais para exercer adequadamente seu poder disciplinar", afirmou. Depois dessa derrota, a AMB chegará enfraquecida ao julgamento da liminar que suspendeu as investigações sobre a folha de pagamentos do TJSP. Se for coerente com o julgamento da semana passada, o STF aplicará a mesma decisão ao segundo julgamento, encerrando esse lamentável episódio da história da Justiça brasileira

TODA a tensão reinante durante todo o recesso do Judiciário, devido ao embate sobre o alcance de prerrogativas da corregedoria do CNJ, foi dissipada no último dia 02 da melhor maneira possível. O temor da desidratação do CNJ, peça essencial no processo de reforma do Poder Judiciário iniciado no final de 2004, terminou então afastado, por seis votos a cinco, em mais um histórico julgamento do STF.

LOGO no primeiro dia do recesso, em Dezembro último, o ministro Marco Aurélio Mello aceitara pedido de liminar da AMB para cassar do CNJ o poder de, por sobre as corregedorias dos tribunais, investigar denúncias contra magistrados. Foram semanas de pressões de lado a lado, amplificadas por revelações sobre o trânsito de muito dinheiro por contas bancárias de magistrados e servidores dos Tribunais, movimento detectado pelo Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), órgão federal de vigilância na repressão à lavagem de dinheiro.

PORÉM, com apoio majoritário no STF, o CNJ manteve a prerrogativa, e com isso o corporativismo, infelizmente uma das marcas do Judiciário — como também do Jornalismo, do Direito, da Educação, etc — que move as associações de magistrados saiu derrotado. Mas não significa que os cinco ministros derrotados no STF — Marco Aurélio, Cezar Peluso, presidente da Corte e do CNJ, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Luiz Fux — tenham julgado o caso como agentes da corporação. Isso porque em nenhum momento esteve em questão a competência do CNJ de investigar magistrados, importante nuance para a qual chamara a atenção, de certa maneira, o próprio Peluso, em discurso, naquela Quarta-feira, 01, na cerimônia de abertura do ano jurídico. A depender das corporações, o CNJ seria um cão de guarda sem mandíbulas.

O QUE se julgava ali era se o CNJ poderia, por iniciativa própria, agir, ou, antes, teria de se justificar e até mesmo esperar a atuação das corregedorias regionais, geralmente lentas. Acharam que não há esta necessidade a estreante ministra Rosa Weber — depois de resistir a uma pressão pouco protocolar de Marco Aurélio Mello —, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ayres Britto e Dias Toffoli.

ESTE desfecho do julgamento transcende o caso em si. Com ele, reforça-se o movimento a favor da transparência no Judiciário, mantida intacta a independência funcional do magistrado. Fortalece-se, ainda, a pressão na sociedade brasileira contra a corrupção, praga que ameaça até a Justiça, como se constata em denúncias recentes. Fica, também, uma lição ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo. Se a Justiça, Poder historicamente fechado, abre portas, janelas e se dispõe a cortar na carne no combate ao “malfeito”, por que governos e Casas legislativas não vão pelo mesmo caminho? Este é um julgamento que fortalece o STF como guardião da Magna Carta, crucial para a estabilidade jurídica e institucional no País. E, para ser coerente, deveria o STF aprovar o quanto antes a entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa (LFL).