Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, julho 21, 2012

Analfabetos do mundo civilizado

TORONTO (CANADA) - SEMPRE se soube que um dos maiores entraves ao desenvolvimento econômico no Brasil é o gargalo educacional. Novas pesquisas, porém, revelam que o problema é muito mais grave do que se supunha. Elaborado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Organização Não-Governamental (ONG) Ação Educativa, o mais recente estudo sobre o assunto, mostrou que 38% dos estudantes do Ensino Superior no Brasil simplesmente "não dominam habilidades básicas de leitura e escrita".


O INDICADOR de Analfabetismo Funcional, que resulta desse estudo, não mede capacidades complexas. Ele é obtido a partir de perguntas relacionadas ao cotidiano dos estudantes, como o cálculo do desconto em uma compra ou o trajeto de um ônibus. Mesmo assim, 38% dos pesquisados não atingiram o nível considerado "pleno" de alfabetização, isto é, não conseguem entender o que leem nem fazer associações com as informações que recebem.

SEGUNDO os autores da pesquisa os resultados indicam que o notável aumento da escolarização verificado nas últimas décadas ainda não se traduz em desempenho minimamente satisfatório em habilidades básicas, como ler e escrever, e isso num ambiente em que essas etapas do aprendizado já deveriam ter sido plenamente superadas, isto é, nas universidades particulares.

A "POPULAÇÃO" do Ensino Superior, com a abertura indiscriminada de faculdades ávidas por explorar um público de baixa escolaridade - que não consegue ingresso nas Universidades Públicas e de prestígio, mas sabe que o diploma de Graduação é uma espécie de "passaporte" para melhorar o salário -, é vista como um dos fatores principais do fenômeno. Essas escolas, concluem os especialistas, se adaptaram confortavelmente a um mercado consolidado, e só reagirão diante da exigência sistemática por melhor qualidade, que deve vir do governo e dos próprios alunos.

NO entanto, o tempo para a reversão desse quadro é curto. O sentido de urgência se dá diante do desafio de colocar o Brasil entre os países mais competitivos do mundo, ante o encolhimento dos mercados por conta da crise econômica internacional. A situação de semianalfabetismo nos campi universitários brasileiros - que contraria o discurso populista da presidente da República Dilma Wana Rousseff (PT-RS), segundo o qual seu governo (2011-14), como o anterior (2003-10), cuida mais dos jovens do que do Produto Interno Bruto (PIB) - talvez seja o indicador mais importante para medir o tamanho do fosso que nos separa do mundo desenvolvido.

EM primeiro lugar, a indigência intelectual compromete os projetos de aperfeiçoamento profissional, por mais bem-intencionados que sejam. Não se pode esperar que egressos de faculdades sem nenhuma qualificação possam acompanhar as mudanças tecnológicas e científicas cujo desenvolvimento é precisamente o que determina a diferença entre países ricos e pobres. A China, por exemplo, já entendeu que sua passagem de "emergente" para "desenvolvida" não pode prescindir da qualificação de seus trabalhadores.

O GOVERNO da China têm investido pesadamente no Ensino Superior de qualidade, cujas matrículas foram multiplicadas por seis nos últimos dez anos. Agora, quase 20% dos jovens em idade universitária estão no ensino superior na China, enquanto no Brasil não passam de 10%. Ademais, o governo chinês demonstra há décadas um vivo interesse em enviar estudantes ao exterior, para uma preciosa troca de informações que encurta o caminho daquele país na direção do domínio técnico essencial ao seu desenvolvimento. Só em 2008 os chineses mandaram 180 mil estudantes para as melhores Universidades do mundo, volume que se mantém ano a ano. O Brasil apenas iniciou este ano o Programa Ciência Sem Fronteira, que pretende enviar 110 mil estudantes nos próximos anos.

O IMPACTO do investimento chinês em educação aparece no cenário segundo o qual quase metade do extraordinário crescimento econômico daquele país resulta desse esforço de qualificação. Assim, se o Brasil tem alguma pretensão de competir com o gigante chinês, ou mesmo com países emergentes menos pujantes, o primeiro passo talvez seja admitir que é inaceitável entregar diplomas universitários a quem seria reconhecido como analfabeto em qualquer lugar do mundo civilizado.