Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, janeiro 01, 2010

O intruso

SALVADOR(BA) – AO TECER comentários sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de conceder liminar suspendendo todas as medidas judiciais relativas à “Operação Satiagraha”, empreendida pelo Departamento de Polícia Federal (DPF) - que levou o banqueiro Daniel Dantas e os executivos do Grupo Opportunity a serem processados por crime de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro - o ministro de Estado da Justiça e pré-candidato declarado ao governo do Estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT-RS), cometeu dois equívocos. O primeiro foi dar palpites sobre uma decisão que não é de alçada do Poder Executivo, mas do Poder Judiciário. O segundo equívoco foi ainda mais grave, pois as observações que fez, além de intempestivas e de evidenciarem mais uma vez seus escassos conhecimentos em matéria de funcionamento das instituições de direito, revelam uma concepção de Justiça que é apenas preconceituosa, ao pretender ser avançada e popular.

A LIMINAR concedida pelo ministro do STJ, Arnaldo Esteves Lima, que em despachos anteriores por diversas vezes decidiu contrariamente aos interesses de Dantas, ordenou (em seu teor) o trancamento, até Fevereiro de 2010, de um inquérito do DPF (que é subordinado ao ministro Genro) sobre um dos fundos do Opportunity e a suspensão de todas as sanções já tomadas pelo juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo - inclusive a condenação a dez anos de reclusão imposta a Dantas, por tentativa de suborno de um policial.

EM SEU pedido de liminar, os advogados do banqueiro alegaram que o magistrado De Sanctis, por agir de forma articulada com o DPF e com o Ministério Público Federal (MPF), teria perdido a imparcialidade para continuar no caso. A sucessão dos fatos dá razão a eles. Desde o início ficou evidente que o primeiro chefe da “Operação Satiagraha”, o delegado do DPF, Protógenes Queiroz, conduziu as investigações sem respeitar a legislação penal e agiu com propósitos políticos, o que o levou a ser afastado por abuso de poder. Por seu lado, De Sanctis também atuou de forma desastrada na fase de instrução dos processos criminais, manipulando prazos, vazando para a imprensa documentos que se encontram protegidos sob cláusula de Justiça, fazendo prejulgamentos em declarações à Imprensa e até desafiando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ao ordenar a prisão de Dantas horas depois de o ministro Gilmar Mendes lhe ter concedido habeas corpus.

AO EXORBITAREM de suas prerrogativas funcionais, o policial e o magistrado federais cometeram tantos abusos que agora todas as ações criminais abertas contra Dantas e os executivos do Grupo Opportunity podem ser anuladas por vícios formais. "Prevenir nulidades constitui tarefa básica de todo o magistrado", disse o ministro Arnaldo Lima ao justificar a liminar que concedeu. Se os demais ministros do STJ endossarem essa decisão, quando as atividades judiciárias forem retomadas, no próximo dia 1º de Fevereiro, o caso poderá voltar à estaca zero.

DESPREZANDO então o extenso rol de abusos cometidos por Protógenes e De Sanctis, o ministro Genro criticou a decisão do ministro Arnaldo Lima, sob o argumento de que ela reforça a sensação de impunidade no País - especialmente nos segmentos mais ricos da sociedade. "Uma decisão como essa, num processo dessa repercussão e dessa importância, reflete o senso comum com aquela conclusão clássica: os poderosos no Brasil dificilmente vão para a cadeia, sendo inatingíveis pela Justiça", afirmou. "Isso anima um sentimento de impunidade com o qual temos (sic) que terminar", concluiu Genro.

ESSA DECLARAÇÃO não poderia ter sido mais infeliz, partindo de um ministro de Estado da Justiça. Imiscuindo-se no campo de competências de outro Poder, Genro defendeu juízes militantes e agiu como advogado do titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo - o que por si só já é absurdo. Além disso, ao afirmar que Dantas teria de ser punido de qualquer maneira somente para acabar com o senso comum de que os ricos não vão para a cadeia, o ministro - o mesmo que prendeu e devolveu para a ditadura cubana dois humildes boxeadores que tentaram se exilar no País, durante os Jogos Pan-Americanos, realizados no Rio de Janeiro em 2007 - desprezou os dispositivos da Constituição Federal que, em nome das liberdades públicas, asseguram o devido processo legal e consagram o duplo grau de jurisdição.

AO CRITICAR a liminar concedida pelo STJ, Genro endossou a tese - comum aos regimes autoritários - de que as garantias fundamentais podem ser atropeladas quando a causa é justa. Com esse comportamento ele mostrou que não conhece os limites das funções que ocupa.