Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, setembro 19, 2012

Déficit psicológico?

CERTAMENTE os altos funcionários do governo argentino estão comemorando os resultados do comércio de seu país com o Brasil. Como insistentemente vêm buscando esses funcionários - com medidas que ferem acordos e tratados firmados pelos dois países e regras do comércio internacional, mas tem sido toleradas pelo governo brasileiro -, o déficit comercial com o Brasil caiu 67% em Julho, na comparação com igual mês de 2011, e 53% no acumulado dos sete primeiros meses de 2012, em relação ao ano passado.


É FATO que o agressivo protecionismo argentino resulta da obsessão do governo de Cristina Kirchner com assegurar mercado para a indústria local e gerar empregos e riqueza para os argentinos. Embora, por razões políticas, isso não seja muito lembrado, a obsessão tem a ver também com a necessidade daquele país de gerar recursos para honrar os compromissos com sua dívida externa.



JÁ era esperado que o protecionismo de Kirchner preservasse o comércio com os países do Mercosul, bloco do qual a Argentina é sócio-fundador. Mas os resultados mais notáveis das restrições impostas pelo governo argentino estão surgindo justamente no comércio com os sócios do Mercosul, especialmente o Brasil. No primeiro semestre, elas caíram 16% em relação aos primeiros seis meses de 2011 e o comércio bilateral com o Brasil diminuiu 13%.




PORÉM, é provável que os resultados do comércio com os demais países estejam sendo comemorados pelo governo Kirchner. As importações argentinas da União Europeia (UE) cresceram 15%, as importações do Nafta (Estados Unidos da América, Canadá e México) aumentaram 5% e as dos países da Aladi, 71%, mas as exportações argentinas não cresceram nessa velocidade.



MAS o protecionismo da Argentina não resolve seus problemas, pois o déficit contido de um lado cresce de outro, mas afeta duramente o comércio com seu principal parceiro.



POR isso tem razão o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Enio Cordeiro, quando diz que o déficit da Argentina com o Brasil é "mais psicológico do que econômico". Isso porque, no seu entender, a economia argentina tem problemas estruturais que reduzem sua capacidade de competir com os produtos importados, inclusive do Brasil, e não podem ser superados por medidas que classifica de "voluntaristas", como as que caracterizam a política protecionista do país. "O Brasil compra praticamente todo o excedente industrial argentino, e a Argentina importa insumos industriais que exigiriam investimentos para serem substituídos", pela produção local, disse o embaixador, durante encontro com empresários realizado no auditório da embaixada nesse Setembro. O problema, em outras palavras, não é do Brasil, mas da Argentina. Se ela não souber ou não tiver condições de resolvê-los, o protecionismo do governo Kirchner - defendido de maneira às vezes truculenta pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, e pelo seu braço direito, a secretária de Comércio Exterior, Beatriz Paglieri - apenas continuará a criar conflitos com seus parceiros comerciais.



DIAS atrás, o governo do México denunciou a Argentina na Organização Mundial do Comércio (OMC) por restringir a importação de mercadorias e discriminar entre produtos estrangeiros e locais. Pouco antes, os governos dos Estados Unidos da América (EUA) e Japão haviam denunciado a Argentina na OMC pelas mesmas razões.



O GOVERNO Dilma Rousseff (2011-14) tem sido tolerante com as restrições que o governo da Argentina vem impondo à entrada de produtos brasileiros naquele país. Somente em situações extremas o Brasil reage às provocações argentinas. No primeiro semestre, o governo brasileiro exigiu autorização de importação, que pode demorar 60 dias, para a entrada de cerca de dez produtos com peso significativo na pauta de exportações da Argentina. Também impôs, temporariamente, controle rigoroso para a entrada de veículos automotores made in Argentina. Só depois disso o governo Kirchner concordou em reduzir algumas das restrições que impusera a produtos brasileiros.



MAS para evitar que o governo Kirchner continue a prejudicar o Brasil, o governo Rousseff precisa apontar com clareza os problemas da Argentina, como fez o embaixador Enio Cordeiro, e reagir prontamente às medidas danosas ao País.