Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, fevereiro 04, 2012

Delírios no palanque

XANGRILÁ(RS) – AINDA outro dia, a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS) compareceu in perctore ao Fórum Social Mundial Temático (FSMT), em paragens da Serra Gaucha, e subiu no palanque interrompendo seus afazeres de gerente durona do Palácio do Planalto. Num discurso feito sob medida para empolgar uma plateia de sindicalistas e militantes - que mal chegava a ocupar metade do recinto da reunião -, a presidente da República desceu a “lenha” no "neoliberalismo" e retomou a arenga predileta de seu antecessor, segundo a qual a História do Brasil só começa a ser escrita a partir de 2003. Dona Rousseff defendeu a supremacia da latinoamericanidade diante de um Primeiro Mundo que se debate em crise por causa do "neoliberalismo" e garantiu que para "nós" - insistiu sempre no coletivo, como se a comunidade latino-americana fosse orgânica e coesa - o futuro sorri: "Nossos países avançam fortalecendo a democracia". Os caudilhistas irmãos Castro, Hugo Chávez, Evo Morales, Cristina Kirchner e outros tantos que o digam.

O DESMPENHO de dona Rousseff nesta capital gaúcha chegou a ser surpreendente, na medida em que fugiu ao padrão de comportamento da chefe do governo brasileiro, até agora pouco dada a rasgos de retórica no estilo de populismo rasteiro que é a marca de seu padrinho político. Mas o conteúdo, se é que se pode chamar assim, de sua falação à plateia do FSMT, foi perfeitamente coerente com os fundamentos da pregação pretensamente "social" que demoniza a economia de mercado e postula a supremacia do Estado sobre os direitos dos indivíduos. E chama isso de "democracia". Nesse discurso, o "neoliberalismo" sintetiza toda a essência do Mal - é o rótulo que se atribui ao ideário dos homens perversos, injustamente ricos, que dominam e exploram os homens bons, injustamente pobres. O "neoliberalismo" é também chamado de "pensamento único", com uma conotação que, imagina-se, nada tem a ver com o que ocorria na finada União Soviética e ainda prevalece em Cuba.

NESSA linha maniqueísta, segundo dona Rousseff, "a dissonância entre a voz dos mercados e a voz das ruas parece aumentar cada vez mais nos países desenvolvidos, colocando em risco não apenas conquistas sociais, mas a própria democracia". Para ela, as soluções "ultrapassadas" de um modelo econômico "conservador e excludente" que os países europeus estão adotando face à crise do euro terão consequências sociais e ambientais extremamente negativas: "desemprego, xenofobia, autoritarismo", e ameaçam a paz mundial.

PORQUANTO, graças à proeza de nos termos libertado dos "preconceitos políticos e ideológicos" que os homens maus tentaram impor à América Latina nas décadas de 1980 e 1990, "nós", os latino-americanos, estamos promovendo transformações que têm possibilitado a redução das desigualdades sociais e a inclusão no mercado de consumo de grandes contingentes de uma população antes desvalida. Foi a deixa para fechar o foco do discurso sobre o Brasil: o admirável desenvolvimento econômico e social que o País vive desde que, segundo dona Rousseff, o ex-operário fabril, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) chegou ao poder, "não é consequência de nenhum milagre econômico": "É o resultado do esforço do povo brasileiro e de seu governo, que souberam ocupar um novo caminho. O Brasil hoje é um novo país, mais forte, mais desenvolvido e mais respeitado". E mais: "O grande nó que o presidente Luiz Inácio começou a desatar em 2003 é o do enfrentamento da exclusão social". Trata-se de uma falaciosa meia-verdade.

O QUE dona Rousseff não disse é aquilo que os lullopetistas invariavelmente escamoteiam: o inegável desenvolvimento econômico e social que o País hoje exibe começou muito antes da ascensão de Luiz Inácio da Silva ao poder. As bases desse processo foram lançadas a partir do governo Itamar Franco (1992-94), com a bem-sucedida implantação do Plano Real, que eliminou a inflação galopante, e prosseguiu no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com o advento de programas de modernização do Estado - como as desestatizações, que os petistas condenam aos berros, mas mantiveram e ampliaram - e de programas sociais posteriormente turbinados por Luiz Inácio da Silva.

DONA Rousseff disse o que a plateia reunida, na semana passada, aqui nesta Capital dos Pampas queria ouvir. Teve, no entanto, de enfrentar bem orquestradas vaias de militantes do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e do Partido do Socialismo da Liberdade (PSOL), que exigiam o seu veto ao projeto do Código Florestal. Não dá para agradar a todos.