Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, março 07, 2012

Apego ao poder

QUAL mesmo é a razão da existência do Ministério da Pesca e Aquicultura no Brasil? Serve para garantir a bênção dos seguidores da seita Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) à candidatura do ex-ministro de Estado da Educação, Fernando Haddad (PT-SP) à Prefeitura Municipal de São Paulo. Simples assim, a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), entregou ao bispo e senador da República, Marcelo Crivella (PRB-RJ) a titularidade do Ministério da Pesca e Aquicultura até agora ocupada por um inexpressivo deputado federal petista. Mas o sacrifício deve valer a pena: além de o Partido dos Trabalhadores (PT) se livrar da incômoda gritaria dos seguidores da IURD em torno de delicados temas religiosos, Haddad - o candidato imposto pelo ex-presidente da República - Luiz Inácio da Silva (PT-SP), ao diretório do PT em São Paulo, ganha a possibilidade de vir a contar com o apoio do Partido Republicano do Brasil (PRB) - que, por enquanto, permanece no páreo, com a pré-candidatura do deputado federal Celso Russomanno (PRB-SP) num surpreendente segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto. Mas isso é mero detalhe. O que importa é que se escancara o ingresso, de sola, do de dona Rousseff na campanha eleitoral paulistana deste ano. E trata-se apenas do começo.


A CADA dia que passa - e estamos a sete meses do primeiro turno da eleição municipal - as impressões digitais de Luiz Inácio da Silva se tornam mais nítidas na estratégia eleitoral que tem como objetivo consagrar a hegemonia do lulopetismo nos principais colégios eleitorais do País. Para isso é imprescindível derrotar seus adversários nos redutos mais importantes que ainda lhes fazem alguma resistência: a Cidade e o Estado de São Paulo. Este fica para daqui a dois anos.


TAL estratégia não vai custar barato para o PT - a senadora Marta Suplicy (PT-SP) e o defenestrado ex-ministro Luiz Sergio (PT-SP) que o digam -, mas Luiz Inácio da Silva já deixou claro que está disposto a pagar o preço que for necessário. Cacife não lhe falta e dona Rousseff acaba de comprová-lo, com a presteza com que se dispôs a entrar no jogo e procurar o chefão em São Bernardo do Campo (SP) para, num encontro de quase três horas, pedir conselhos e receber novas instruções. Mas teve que ouvir calada o novo membro do Gabinete dizer, com inegável senso de humor, que, embora ministro da Pesca e da Aquicultura, não sabe nem "colocar minhoca no anzol". O que não tem a menor importância, já que essa pescaria nada tem a ver com peixes.


TODA a encenação que fez o pano de fundo da triunfante entrada do bispo Crivella em cena criou em Brasília (DF) uma situação política tão desfrutável que propiciou manifestações que foram do deboche ao puro cinismo. Deste se encarregou a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti (PT-SC): "É a incorporação efetiva (ao primeiro escalão do governo) de um aliado. Mas não traremos disputas locais para o âmbito federal". Já o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-petista e ex-ministro de Estado da Educação, optou pela zombaria: "O governo resolveu pôr na Pesca um pescador de almas, que ainda vai andar sobre as águas". Como levar a sério o que se passa em tal ambiente político?


O ELEITOR paulistano pode se preparar, portanto, para uma das campanhas eleitorais mais disputadas e extravagantes da história da cidade, na qual, pelo andar da carruagem, a ética e os bons modos certamente acabarão sendo deixados de lado. As evidências disso se acumulam.


NUMA manobra rasteira claramente destinada a cacifar poder de barganha com o governo, o mensaleiro Waldemar da Costa Neto (PR-SP), presidente nacional do Partido da República (PR), explora a ingenuidade do folclórico e muito bem votado deputado Tiririca (PR-SP), lançando-o candidato a prefeito municipal de São Paulo. O homem já se sente "prefeito do povão".


E O jovem e ambicioso deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP) não faz feio nessa galharda companhia: depois de transitar por três partidos em menos de dois anos, finalmente encontrou um que se dispôs a lançá-lo a um cargo executivo e anuncia orgulhoso: "Eu tenho uma cara só".


ENTÃO o saldo desse circo de horrores é que a Cidade de São Paulo, com todos os graves problemas sociais e urbanos que aqui se agravam, corre o risco de se tornar a vítima de uma longa campanha eleitoral que tende a passar ao largo do debate das questões que realmente interessam aos seus mais de 10 milhões de habitantes.


ESSA federalização do pleito municipal de 2012 é inevitável, e em certa medida até desejável, porque em São Paulo estará sendo decidido o futuro político do País a curto e médio prazos. Mas é preciso que os candidatos não se esqueçam de que, apurados os votos, o vencedor terá de enfrentar a enorme responsabilidade de governar a Cidade.