Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, maio 28, 2017

A panaceia de propósitos inconfessáveis

AQUELES que hoje defendem da antecipação da eleição direta para o próximo presidente da República querem fazer acreditar que somente assim teremos um governo com legitimidade e, portanto, capaz de tirar o País da crise. Essa concepção do voto direto como panaceia dos problemas nacionais se presta a vários propósitos, a maioria inconfessáveis, e nenhum deles efetivamente democrático. Quem apregoa de afogadilho a eleição direta para presidente da República neste exato momento de total desorganização política do País, ou defende interesses turvos ou é apenas oportunista.

EM primeiro lugar, basta observar quais partidos lideram o esforço para colocar o tema na pauta do Congresso Nacional. São em sua maioria siglas que desde sempre se dedicam a questionar a legitimidade e a sabotar qualquer governo democraticamente eleito que não seja integrado por um dos seus quadros. Os notórios Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido do Socialismo e da Liberdade (PSOL), Rede Sustentabilidade (Rede) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB), entre outros, informaram que vão se reunir na semana que vem para discutir a formação de uma “frente nacional” para defender a antecipação da eleição presidencial direta. A memória nacional está repleta de exemplos de como os petistas e seus derivados mais radicais jamais aceitaram o resultado das eleições presidenciais que perderam, e provavelmente continuarão a não aceitar caso o vencedor do próximo pleito não seja Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) ou alguém da patota.

COM Michel Temer (PMDB-SP) na Presidência da República (2016-17), a estratégia antidemocrática consiste em infernizar a vida do presidente para que ele renuncie e, ato contínuo, sejam convocadas eleições diretas. Para tanto, apostam na aprovação de alguma das propostas que estão no Congresso Nacional com vista a alterar o artigo 81 da Constituição Federal, que determina que, em caso de vacância da Presidência da República e da Vice-Presidência da República nos últimos dois anos do mandato, haverá eleição para ambos os cargos “trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”. Na proposta que está no Senado Federal, torna-se direta a eleição quando ocorrer a vacância nos três primeiros anos.

TAL casuísmo é tão evidente que custa acreditar que esse tipo de proposta esteja sendo levado a sério e eventualmente avance. Os parlamentares envolvidos nesse esforço usam o especioso argumento, expresso no projeto, de que é preciso “devolver à população brasileira o direito de escolher o presidente da República, por meio de eleições diretas”. Para eles, o atual Congresso Nacional, engolfado em escândalos de corrupção, não tem “legitimidade” para fazer essa escolha.

ORA, os atuais congressistas foram eleitos pelo voto direto, o mesmo voto direto que os defensores da antecipação da eleição presidencial direta consideram essencial para conferir legitimidade ao eleito. Temer também foi escolhido em eleições diretas. Estava, como vice, na chapa de Dilma Vana Rousseff (PT-RS) à Presidência da República nas eleições presidenciais de 2010 e de 2014. Por quatro vezes – os dois turnos de cada eleição –, cada um de seus eleitores visualizou sua foto e seu nome na urna eletrônica e confirmou o voto. Hoje se encontra no exercício da Presidência em decorrência do estrito cumprimento dos preceitos constitucionais, após o impeachment de Rousseff em 2016. E, se tiver de deixar o cargo, a Constituição Federal do Brasil diz claramente como substituí-lo.

MAS os inimigos da democracia só apreciam a Constituição Federal quando esta lhes dá alguma vantagem. Se for um entrave para suas pretensões políticas, então que seja rasgada, sob a alegação aparentemente democrática de que a antecipação da eleição direta “atende aos anseios da sociedade brasileira, sob o eco do histórico grito das ruas a clamar ‘Diretas Já’, nos idos da década de 1980”, como diz o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita no Senado Federal. A justificativa omite, marotamente, que aquele era um dos componentes do processo de restabelecimento da democracia, na saída do regime militar brasileiro (1964-1985), ao passo que hoje a democracia está em pleno vigor.

FINALMENTE, não são apenas eleições diretas que definem um regime democrático, muito menos conferem legitimidade automática aos eleitos. A democracia, em primeiro lugar, se realiza pelo respeito à Constituição Federal, expressão máxima do pacto entre os cidadãos. Aproveitar-se da convulsão política para promover alterações constitucionais com vista a favorecer um grupo político viola escandalosamente esse pacto e, portanto, a própria democracia.